15 - Freen

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 Vinte e quatro horas é o tempo que alguém precisa passar sem deixar pistas para ser considerado oficialmente desaparecido. 

Foi isso que os policiais me disseram depois que deixei o quarto do motel A One em busca de respostas para o paradeiro de Becky. Faça um boletim de ocorrência, notifique o desaparecimento e então aguarde por vinte e quatro horas sem notícia alguma, até que providências sejam tomadas. 

Eu não posso esperar por esse tempo. É quase meia-noite, o que contabiliza cinco horas sem qualquer vestígio dela. Como posso esperar mais do que isso, se meu corpo treme em espasmos e minha cabeça não para de me culpar?

Como posso ficar aqui, parada nos estúdios de GAP, enquanto a senhora Armstrong caminha de um lado para o outro em prantos?

O peso da culpa amassa a grama da entrada do set onde estou sentada. Rasgo a nota fiscal da diária do motel parcelada, mais uma dívida somada à infinidade de coisas que eu pago sem ter dinheiro o suficiente para isso. Não que importe agora, eu pagaria por mil outras diárias se isso pudesse me trazer notícias de Becky.

 — Você precisa comer alguma coisa.  — O toque gentil de Nam me faz olhar para cima. Ela traz um salgadinho sabor camarão nas mãos.

Dispenso o lanche com um aceno.

—  Sem fome. 

A mulher senta ao meu lado. Estende o pacote em minha direção, com um sorriso gentil. Apesar de seu esforço para parecer tranquila, consigo ver a tensão em seus movimentos.

 — Você precisa, Freen. Precisa reagir.

Solto uma risada seca pelo nariz. Reagir?

—  Isso tudo é culpa minha, Nam  — rebato.  — Estou recebendo ameaças há semanas. Ameaças que me mandavam ficar longe dela. Eu só precisava ficar longe, e consegui falhar.

Sou interrompida pelo meu próprio acesso de choro. Já perdi as contas de quantas vezes fiz isso.  Deixo meu corpo se render aos espasmos e sinto os braços de Nam me envolverem com afeto. Por favor, Becky, apareça. Me diga que tudo isso não passa de uma piada de mau gosto que você fez comigo. Eu mereço esse tipo de brincadeira, sei que mereço... mas você já pode aparecer. 

 — Nunca mais repita isso  — Nam repreende, desistindo dos salgadinhos.  — Você não tem culpa de nada. A culpa é de quem está fazendo isso com vocês duas. 

—  Heng  — murmuro com enjoo.  Dou um soco no chão.  

Outro soco atinge o solo. Começo a esmurrar de forma ininterrupta, sentindo a raiva me dominar. Ninguém está me levando a sério, a polícia apenas registrou meu B.O e me informou que Heng tinha um álibi consistente no momento em que Becky supostamente sumiu. Eles colheram os bilhetes que tentei apresentar como provas e tiraram prints das ameaças virtuais, mas só irão fazer algo de fato se surgirem provas mais consistentes, ou após as malditas vinte e quatro horas.

Não me ensinaram o que eu faço enquanto esse tempo não passa.

 — Você tem certeza disso? — Nam questiona. Seus dedos fazem um carinho em minha coxa, algo que me deixaria desconfortável se eu estivesse em um estado mental melhor.

— Quem mais seria?  — Outra risada escapa de mim.  — Por que ele pediu folga? E por que não está aqui agora?

Ela abre um sorriso triste. Parece ainda mais preocupada comigo do que com Becky. 

— Ninguém está aqui, Freen. Todos foram embora. 

Olho em volta.  A equipe foi dispensada para esperar por notícias em suas casas, mas me apressei a montar guarda aqui depois que saí da delegacia, e  Nam se recusou a ir embora quando viu meu estado. Ainda nutro uma certa esperança boba de que Becky pode aparecer pelo estúdio a qualquer momento.

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