21 - Becky

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A goteira não está pingando. 

Os pássaros se calaram.

Os passos acima da minha cabeça cessaram.

Eu não estou respirando.

Até a porta, que costuma ser ruidosa, não solta um único rangido enquanto se abre em câmera lenta.

Tudo parece congelado, como se de repente o som tivesse se extinguido do planeta. Demoro a perceber que na verdade meus ouvidos estão sendo preenchidos por outro ruído, alto e interno, capaz de anular qualquer frequência sonora do ambiente: o meu coração pulsando.

Tum

Tum. A claridade da manhã escapa pela abertura da porta. Consigo ver a silhueta de Freen preenchendo o vão, quase emoldurada aos fracos raios de sol que devem vir de alguma janela aberta.

Tum. Me encolho em um canto, talvez dessa forma seus olhos não me encontrem. Talvez assim ela pegue o livro e vá embora, sem nunca suspeitar que tem outro alguém respirando o mesmo ar que o seu.

Tum. É impossível não olhar para seu rosto. Olheiras se afundam abaixo das pálpebras e as bochechas estão finas, os olhos caídos exalam exaustão. Ainda assim, é a mulher mais linda que eu já vi. 

Tum. Tum. Tum. Começa a descer as escadas.

Minha garganta se fecha. Luto contra duas partes rivais da minha mente — uma quer sair correndo para abraçá-la; outra simplesmente quer que ela dê meia-volta e ignore minha presença.

Finalmente solto o ar, tão baixo que quase duvido se voltei mesmo a respirar. O som de seus sapatos contra os degraus de concreto parecem se alinhar ao ritmo do meu coração, cada vez mais acelerado. 

Acompanho sem piscar quando os pés chegam ao fim da escada. Seu rosto abatido se move para o lado contrário do meu, mas consigo ver seus olhos escaneando cada centímetro do lugar. Os dedos das mãos estão agarrados às palmas, mas ela parece não perceber. É um hábito quase involuntário.

Ela para de repente. Tum.

Parece se dar conta de algo. Me pergunto se também está ouvindo esse tambor frenético que é minha frequência cardíaca, ou se eu respirei alto demais, mas talvez ela apenas esteja sentindo que não está sozinha.

Tum.

Vejo o instante em que seus olhos encontram os meus. 

Agora sim, o silêncio se torna absoluto. Me pergunto quanto tempo é possível se manter viva com um coração parado, porque tenho certeza de que o meu parou de trabalhar.

Ela não parece estar diferente.

Suas mãos relaxam nas palmas. Continua me encarando, sem produzir um único movimento. Sinto como se estivéssemos mergulhando em algum oceano profundo, na ausência de qualquer máscara que nos permita respirar. Estamos sufocadas, trancando o ar, ou talvez o oxigênio desse porão seja insuficiente para nós.

O lábio inferior treme de forma quase imperceptível, anunciando o primeiro indício de reação. Acompanho sua boca se abrir e fechar algumas vezes, antes de uma voz fraca sussurrar o meu nome:

— Becky?  

Continuo paralisada. Me sinto como no primeiro dia, quando resquícios do sonífero de Saint ainda tomavam conta do meu corpo e impediam os meus movimentos. Não consigo responder, apenas permaneço encarando em apneia.

Freen corre em minha direção e se lança à minha frente com um estouro seco.  Seu organismo parece acordar de uma só vez e manifestar todos os sistemas ao mesmo tempo. Os olhos piscam de forma frenética, esperançosos em conter as lágrimas que avançam por seu rosto. Escuto o ar tornar a invadir seus pulmões em rápidas inspirações ofegantes, sincronizadas com as mãos trêmulas. 

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