Existe um conceito interessante no boxe que o compara com xadrez. Apesar de serem opostos, os dois necessitam de um tipo de estratégia semelhante, ao mesmo tempo que um anula o outro: no boxe as decisões precisam ser tomadas rapidamente, enquanto no xadrez elas devem ser bem pensadas.
Um dia, alguém teve a ideia de juntar os dois esportes em um só, que é considerado um dos mais difíceis do mundo. O boxe-xadrez consiste em nove rodadas intercaladas entre a luta e o jogo de tabuleiro, e você precisa ir bem nos dois para ser o campeão. O problema é que a adrenalina causada pelo boxe desperta no cérebro um instinto de tomar decisões impulsivas, impedindo você de raciocinar corretamente no xadrez.
Apesar de não gostar de xadrez, o boxe tem sido meu bom aliado nos últimos tempos. Gosto de sentir a adrenalina dissipar todo o estresse do meu dia, nem mesmo a chuva conseguiu me parar hoje.
É claro que eu não deveria estar pensando nisso agora, rolando de um lado para o outro na cama. Está tarde e preciso dormir para gravar amanhã, afinal vamos começar cedo e temos cenas atrasadas do episódio 2.
Tento fechar os olhos, dessa vez levando um pouco mais a sério a tarefa de dormir. Deixo meus pensamentos se concentrarem em não pensar em nada. Esqueço o roteiro, a lutas, a faculdade, as aulas de tailandês, esqueço...
O toque estridente do meu celular me impede de concluir o último pensamento. Tateio pelos lençóis, tentando encontrar o aparelho, sem saber por que alguém se atreveria a ligar a essa hora da noite.
O nome no visor é quase um deboche ao pensamento interrompido. Freen.
Exalo com o nariz. Ela parece adivinhar que eu estava tentando esquecê-la. Hesito entre atender ou não, afinal é surpreendente que tenha algo a me dizer, já que me evitou o dia inteiro. Apesar de ser incômodo, é mais fácil quando ela me ignora.
Mas deve ser algo importante.
— Alô? — eu chamo. Tento não transmitir nenhuma emoção.
O outro lado da linha está silencioso. Coço a cabeça, me perguntando se ela sentou no telefone por acidente.
— Oi, Freen? — chamo de novo. — Está tudo bem?
Uma respiração abafada surge do outro lado da linha. É como se ela estivesse ofegando, ou... chorando.
Uma fungada comprova minha segunda hipótese. É baixa e discreta, como se estivesse tentando ser contida. O som me paralisa e congela minha boca, embora eu saiba que deveria dizer algo para confortá-la. Afinal, por algum motivo desconhecido, é para mim que ela está ligando.
Não sei quanto tempo se passa até que ela desliga o telefone, sem proferir uma única palavra. Leio os dados da ligação e concluo que tudo não passou de menos de um minuto, mas é tempo suficiente para me impedir de dormir.
O silêncio da noite parece se preencher pelo choro baixo que não para de ecoar em minha mente. Tento pregar os olhos, mas não consigo. Coloco uma música relaxante, medito, faço minha yoga da madrugada, canto, rolo de um lado para o outro na cama, e assim fico até ver os primeiros raios de sol adentrarem pela cortina mal fechada.
Uso a luminosidade como justificativa para me levantar, numa tentativa de enganar o cérebro e fazê-lo acreditar que realmente dormi essa noite. Desligo o alarme antes que ele tenha a chance de tocar e corro para o banheiro.
Se isso fosse uma partida de boxe-xadrez, nesse momento minha adrenalina estaria corroendo a parte racional do meu cérebro, e possivelmente eu levaria um xeque-mate. Em menos de cinco minutos consigo derramar pó de café pela cozinha, passar pomada para assadura na escova de dentes e cortar o mindinho com um clipe de papel.
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Paralelo
FanfictionFreen Sarocha e Rebecca Armstrong tiveram suas vidas ligadas ao atuarem juntas em uma série tailandesa. Agora, um ano depois, estão prontas para encarar o desafio de contracenar em GAP the Series, onde serão protagonistas. Becky sabe bem da responsa...