23 - Freen

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— Isso é ridículo — Nam contesta pela milésima vez. — Acreditei que esse jornal fosse sério, mas tudo o que faz é tratar do caso com sensacionalismo. 

Ela agita o folheto de papel para algum policial desinteressado. Em breve, alguém irá recolhê-la daqui por causar tanto tumulto. 

Eu quase estaria rindo da situação, se não fossem as algemas em meu pulso e a salinha de interrogatório mal iluminada onde me encontro. Vejo a mulher pelo vão da porta que ficou entreaberta, porque minha teoria sobre o vidro ser opaco do lado de dentro era verdadeira. 

Estar nessa posição é muito desconfortável. Agradeço pelos agentes do destino que fizeram Nam sair para atender o telefone e ir até sua casa após uma vizinha alertá-la que havia esquecido uma chaleira no fogão. São pequenos livramentos da vida que passam despercebidos, mas esse infortúnio foi um divisor de águas. Se a polícia tivesse a encontrado na frente da minha casa como estava minutos antes, certamente agora seríamos três algemadas e Nam seria considerada cúmplice totalmente de graça.

Alguém precisa estar do lado de fora da cela para lutar por nós. 

Diferentemente de Heng, porém, decidi ficar calada. Decidi não, Becky ordenou que eu ficasse calada segundos antes de a polícia invadir a casa. Ela disse que era inadmissível termos deixado o ator dar seu depoimento sem a presença de um advogado, me sinto ridícula ao esquecer do primeiro conceito básico de direito que todos os seres humanos devem saber: "temos direito a não produzir provas contra nós mesmos".

Às vezes me pergunto como teria sido se os papéis fossem invertidos. Quero dizer, tenho certeza de que Becky como estudante de direito teria se saído melhor ao receber ameaças e me ver sequestrada. Ela agiria de uma maneira muito mais sábia e menos idiota que a minha. 

Mas não é hora de lamentar. Fomos presas em flagrante e tudo o que podemos fazer é nos esforçar para sair dessa situação.

Aguardo enquanto o advogado não chega. Ninguém está me supervisionando, o que me faz questionar se alguém está acreditando nessa história. Por um lado, a falta de zelo é boa, mas também me faz ter receio de que os policiais estejam seguros demais do meu destino devido aos possíveis contatos que Saint tem na polícia.

Provavelmente eu nunca vou me esquecer do barulho das sirenes na manhã de hoje. Tenho certeza de que, quando eu fechar os olhos, a única imagem que virá em minha mente é a do rosto de Becky em prantos enquanto assistia a um brutamontes me jogar ao chão. 

Sei que, ao acordar amanhã, verei grandes hematomas nas minhas canelas. Continuarei sentindo o zumbido no ouvido e as náuseas ao me lembrar do grito que ela lançou a mim.

"Freen!", sua voz tentava alcançar minha audição antes de se partir em pedaços quase visíveis.

"Becky", eu tentava responder, mas nada saía. Meu coração se encolhia ao vê-la nesse estado e me julgava porque eu havia falhado em protegê-la. 

Mais. Uma. Vez. 

Apenas deixei que fosse levada como uma criminosa, sem fazer nada a respeito. Assisti enquanto éramos colocadas em porta-malas diferentes e fechei os olhos para não vê-la se debatendo, tentando desesperadamente estender a mão a mim. "Eu estou aqui", ela dizia, "Não vamos nos abandonar". 

Meus olhos queimaram com a ironia de ter ido buscar no porão justamente um livro que falava sobre ser lar do outro em momentos difíceis, quando encontrei a pessoa que considerava o meu lar, para logo em seguida deixá-la escapar das minhas mãos novamente. 

Será que eu vou tomar alguma decisão certa alguma vez na vida? 

— Senhorita Sarocha — a voz do policial Chai esfumaça meus devaneios. — Sua advogada chegou. 

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