10 - Freen

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É difícil explicar a sensação de amanhecer em um hospital. Talvez o único fato que diferencie a manhã do restante da madrugada é a luz solar que invade as frestas da janela mal vedada no lado esquerdo do quarto, mas não é como se eu tivesse dormido à noite. 

Não tem como. Os ruídos no corredor, o barulho do concentrador de oxigênio a alto fluxo e os plantões da madrugada são inimigos do sono tranquilo, para não citar a poltrona dura destinada a mim. 

Me espreguiço com um bocejo e retiro do colo o livro de colorir que Becky me trouxe. Devo ter conseguido pegar no sono por alguns instantes, porque não me lembro dos últimos traços que dei no papel.

— Você andou pintando. — A voz rouca de mamãe me faz descobrir que ela também está acordada. 

Concordo com um aceno de cabeça e me levanto, deixando o desenho inacabado aberto em cima da poltrona.

— Bom dia, mãe. Conseguiu dormir?

Me aproximo dela. Seus olhos estão abertos, mas ainda parece cansada. Nossas mãos se encontram e deixo que a sensação do toque gelado me envolva com conforto. 

— Às vezes — ela confessa. — Essa garota é muito gentil. 

Olho para a porta, em busca de alguma enfermeira ou outra profissional. Não há ninguém ali.

— Que garota? — indago, voltando meus olhos à ela. 

Um acesso de tosse interrompe a resposta de minha mãe. É agudo e forte, mas não tem mais aquele aspecto secretivo que tinha em casa. Aperto os botões do leito para que sua cabeceira incline e ela fique mais confortável. 

— Sua dupla Becky — ela esclarece, assim que se recupera. — Você tem sorte de ter uma amiga como ela. 

Inspiro fundo. A imagem dos olhos magoados de Becky não sai da minha cabeça. Eu queria tanto que ela entendesse...

— Amanhã vamos pra casa — mudo o assunto. — Isso não é ótimo?

Ela assente com a cabeça. Parece não perceber minha tentativa de não falar em Becky. 

— É, sim. — Mamãe pigarreia. — Mas você não pode mais fazer isso, filha. Sabe bem que não podemos pagar por essa internação, muito menos em quarto individual. Estamos com dívidas que só se acumulam e você acabou de fazer mais uma delas. 

Coloco um dedo suave em sua boca. Consigo sentir o ar gelado que sai da cânula de oxigênio em seu nariz. 

— Chega, mãe. Isso foi por você ter me escondido sobre o fim do remédio — protesto com um suspiro baixo. — Cansei de não poder te dar o básico, e se isso significa contrair mais dívidas, eu não me importo. 

Ela assente com um gesto derrotado. Sabe que não adianta me contestar. 

— Freen, eu queria te pedir que...

— Bom dia, sra. Chankimha! — A enfermeira  Chanthira adentra o quarto, antes que mamãe consiga terminar. Ela limpa a garganta e desvia o olhar do meu, deixando morrer no ar a frase interrompida. Se concentra na mulher, que está trazendo uma ampola com medicamento novo.

— Bom dia, enfermeira. — Minha mãe abre um sorriso cansado.  

Chanthira chega mais perto do leito. Seus olhos são gentis e animados, conseguem demonstrar com clareza seu amor pela profissão.

— Como você dormiu hoje? Está pronta para o banho?

Minha mãe resmunga algo sobre não estar suja. Sorrio de lado e dou passagem para a mulher desconectar o soro e inserir o tubo com o medicamento. 

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