17 - Freen

894 131 10
                                    

— Saint — Heng murmura de cabeça baixa para a autoridade à sua frente. — É Saint que está com Becky. 

Aperto os fones contra meus ouvidos. O policial Chai deu um par para mim e Nam conseguirmos escutar ao interrogatório por trás da parede de vidro blindado. Não é um procedimento padrão, mas acho que ele se deu por vencido depois de eu insistir muito. 

— Quem é Saint? — o delegado questiona. Faz alguma anotação em um caderno pequeno.

Heng encara suas mãos. Mesmo por trás do vidro consigo ver que estão suadas. As minhas não estão diferentes, preciso deslizá-las nas calças para secar.  Do que ele está falando?

— Suppapong Udomkaewkanjana. É o CEO e produtor da série — o ator responde. Parece acuado, como se quisesse desaparecer daqui. — Ele é o dono de tudo. 

— E por que você acha isso? — o homem questiona. — Quero dizer, que o CEO é o culpado.

Minha necessidade de esclarecer tudo faz com que meu corpo abafe o choque pelas palavras de Heng. Assisto à cena como se não fizesse parte dela, ou estou tão surpresa que meu corpo desaprendeu a ter reações. 

— Eu não acho, tenho certeza  — ele murmura cada vez mais baixo. — Porque também recebi ameaças. 

Me inclino para frente, quase colando o rosto no vidro. O delegado faz um gesto de mãos para que prossiga.

— Elas começaram um tempo depois que flagrei Saint colocando um papel no para-brisa do carro de Freen. Isso foi nos dias de workshop antes das gravações da série. 

Fecho meus olhos. As lembranças de tudo que tenho vivido me envolvem há meses em um manto pesado. Apesar de ser um péssimo momento, ouvir outra pessoa contando em voz alta é como tirar um pouco desse peso , mas... Saint? É ele quem tem tornado minha vida um inferno?

— O que aconteceu depois disso? — a autoridade incentiva. 

— No começo, nada — ele continua. — Saint me disse que o papel era um contato de uma psicóloga para atores, mas eu sabia que essa desculpa não fazia sentido. — Heng tenta passar as mãos algemadas pelo rosto. — Quero dizer, quem sai furtivamente para colocar um telefone no para-brisa de alguém, em vez de entregar na mão da pessoa ou enviar por mensagem?

O outro homem acena com a cabeça, mas não diz nada. Percebo um pequeno gravador entre os dois.

— Esperei no meu carro até que Freen viesse, eu queria ver sua reação ao ler o bilhete. Ela pareceu nervosa, porém só deu partida e foi embora. Isso ficou na minha cabeça por uns dias, mas acabei esquecendo, até que a vi chorando no estacionamento com outro bilhete.  — Seus olhos parecem me procurar, mas o vidro é do tipo que impede que ele veja o lado de fora. — Já fazia um tempo desde o primeiro, foi no dia de gravações para o segundo episódio. Mas isso me fez pensar que talvez fosse algo constante, então decidi perguntar de novo a Saint. — Os lábios do ator continuam a tremer, alguém traz um copo d'água e ele dá um gole longo antes de prosseguir. — No começo, ele só desconversou. Chegou a dizer que era um flerte entre ele e Freen, coisas do tipo. Mas no dia seguinte papéis começaram a surgir no meu para-brisa também, mandando que eu não me intrometesse na história. Os bilhetes diziam que eu morreria se abrisse a boca. Tive medo de vir à polícia por achar que estava sendo seguido em todos os cantos; também não conseguia falar com Freen sobre que tipo de ameaça ela recebia. Me sentia atado. 

Ele fita o copo à sua frente, tão vazio quanto seu olhar. Meu corpo estremece, é como estar revivendo cada cena que ele narra. É inevitável lembrar do meu desespero quando os bilhetes começaram a surgir de forma incontrolada.

ParaleloOnde histórias criam vida. Descubra agora