4 - Freen

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Toc. Toc. Toc.

Alguém bate à porta. É um som insistente e enlouquecedor. A casa está escura, as paredes estão mofadas. Um rastro de água escorre pelos rodapés, marcando pequenas poças no piso de madeira barulhento. Toc. Toc. Toc.

Freen está chorando. Dois travesseiros cobrem seus ouvidos, mas não é o suficiente para abafar o som. Seus olhos estão fechados, como se isso pudesse transportá-la para outro lugar. Um mundo onde não houvesse ninguém tentando arrombar sua porta.

"Estou com ela!" a voz grita, entre as batidas. "Venha até mim!"

Freen aperta os travesseiros com mais força. Ela escuta os batimentos de seu coração através do tecido abafado. Não quer se mexer, não quer acreditar. Sabe que estão jogando com suas emoções. Ela prometeu....

Toc. Toc. Toc. Toc.

"Me deixa em paz!" ela grita. Sente que não consegue mais controlar os soluços, não consegue mais fingir que não está aqui.

Um estrondo faz tudo na casa tremer, inclusive Freen. Ela afunda a cabeça entre as pernas; flashes passam por sua mente e ela tenta se prender  a cada um deles. Se morrer hoje, quer morrer lembrando de momentos felizes.

Passos pesados se mesclam com o tilintar de vidros caindo ao chão. Soam como uma orquestra bem ensaiada, com graves e agudos se interpondo enquanto ficam cada vez mais altos, cada vez mais perto.

Freen não precisa erguer os olhos para saber que tem alguém à sua frente. Ela sente o fedor de cigarro, sente o cheiro do suor e a respiração arrogante. Seu corpo se contrai, quase implora para que ela não olhe.

Mas ela não consegue. Ela sabe que precisa olhar, precisa agir. Porque há outro cheiro conhecido. É doce e familiar. Um cheiro feminino que costumava preencher suas narinas no meio de abraços apertados.

Ela escuta um choro leve por trás dos resmungos grosseiros. Ela sabe que a voz não estava mentindo. Um nome se desprende de sua garganta quando Freen levanta a cabeça:

— Becky!

O grito escapa de mim quase sem que eu perceba, me fazendo abrir os olhos. A pulsação em meus ouvidos faz com que eu escute minha respiração de forma entrecortada e sinto uma leve ardência na palma de minhas mãos. Pisco algumas vezes, para conferir se estou de volta à realidade.

— Só mais um pesadelo — eu sussurro a mim mesma. Relaxo meus dedos, surpresa com a força que faziam. — Só um pesadelo.

Os lençóis estão encharcados de suor. Passo uma mão pelo cabelo que cai sobre meu rosto, mas ele teima em retornar ao mesmo lugar. Desisto da tarefa e me levanto, cuidando para que a tontura não me derrube de volta à cama.

Meu celular está na cômoda ao lado, mas sei que não posso pegá-lo. Sei que, se o fizer, não vou me controlar e vou acabar ligando para Becky de novo. Não quero isso. Aliás, eu não posso fazer isso, porque o meu "querer" é justamente o contrário.

— Becky está dormindo — eu digo a mim mesma. Torço para que ela tenha recebido o remédio e a água que deixei antes de ir embora, e que agora esteja descansando sem dores.

Tento realizar algumas respirações diafragmáticas que me ensinaram nas aulas de teatro. É difícil me concentrar nelas, mas aos poucos os pensamentos vão dissipando. Tento imaginar a voz de Becky do outro lado da linha, assim como na noite passada, me perguntando se tinha acontecido alguma coisa.

"Aconteceu, Becky", eu queria ter dito. "Aconteceu e eu preciso de você comigo".

Vou até o banheiro na ponta dos pés. Uma ideia de colocar tinta néon nas madeiras proibidas passa pela minha cabeça, um pensamento aleatório no meio do meu caos. Ligo a torneira e deixo que a água lave meu rosto.

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