20 - Becky

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Meus olhos não conseguem desviar do homem parado à minha frente. Há um hematoma em sua bochecha, infelizmente não provocado por mim. Confesso que foi meu primeiro impulso quando a máscara caiu de seu rosto, mas fui obrigada a me conter.

— Saint — eu murmuro, assim como fiz o dia inteiro. Não importa quantas vezes eu diga seu nome em voz alta, a informação de que ele é o responsável pelo meu sequestro continua parecendo irreal. 

Presumo que agora esteja perto da noite. Não há mais pássaros cantando na rua, e o caroço da maçã que finalmente pude comer está ficando preto, jogado em um canto qualquer no chão. Passar um dia inteiro encarando seu sequestrador não é uma experiência agradável.

— Você parece gostar do meu nome — o homem comenta. Abre um sorriso e ergue suas sobrancelhas, em mais uma careta que me faz desejar torná-lo meu mais novo saco de pancadas.

— Eu sinto nojo — murmuro entredentes. 

— Mas não para de repetir — ele debocha. — Significa que fiz história, Becbec. 

Caminho entre as caixas de papelão. As marcas das amarras ainda ardem em meu pulso, porém estou livre para circular pelo cômodo. Não houve esforço por parte de Saint em voltar a me manter presa, mas ele se tornou seu próprio refém ao lançar as chaves em uma direção qualquer nesse monte de tralhas.

É difícil procurar por elas  sob seus olhos debochados, mas estou me esforçando. Talvez, se ele cochilar de novo, consigo encontrá-las e sumir de seu campo de visão.

— Fez tanta história que acabou sequestrado comigo — retruco. 

Seu sorriso se alarga. Ele me olha como se eu fosse um experimento de seu laboratório particular, mantém um ar arrogante desconectado de sua situação fora de controle.

— Você acha que sou amador, não é? Acha que não sei o que estou fazendo. — Seus olhos me encontram ao mesmo tempo que ele começa a avançar na minha direção. Caminho para trás, prestando atenção em todos os seus movimentos. Pensamentos rápidos correm pelo meu cérebro, tentando elaborar alguma saída. 

Ele ri ainda mais alto quando tropeço em uma das caixas. Caio de joelhos com um grito. 

 — Eu sei o que estou fazendo, Becky. — Ele agacha na altura dos meus olhos.  — Estou revertendo o jogo para mim.

Se levanta novamente. Me apresso em fazer o mesmo, mas minhas pernas falham. Ofego por alguns instantes e demoro a conseguir me equilibrar de novo.

 — É estranha sua definição de reverter o jogo, considerando que você também está preso aqui.

Ele dá de ombros. Seus olhos brilham em uma arrogância desconhecida para mim, como se em todo esse tempo ele estivesse vestindo outra máscara além da de pano.

— Tudo bem. Morreremos de fome juntos. 

Meu estômago se retorce, é difícil dizer se pela fome ou pelo nojo. Todas aquelas palavras de carinho, as gentilezas, os agradecimentos por eu fazer parte da equipe... Era tudo mentira? Era tudo falso?

— Por favor, me diga o motivo... —  tento mais uma vez tirar alguma informação. — Por que tudo isso?

Sua careta se transforma em um olhar quase assassino. Ele parece possuído, em nada combina com o CEO simpático que eu conheço há mais de um ano.

Mas agora entendo que ele nunca existiu. 

— Porque eu quero ver você e Sarocha Chankimha na cadeia. — Soa quase como um rugido.

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