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Nove meses depois

Natália Jones

Olhei para o túmulo recente, as letras gravadas em preto no cimento, a terra fresca, o aroma forte das flores brancas, o vento com folhas secas, o frio que se passou por meus pêlos eriçados. Abracei o meu corpo e franzi levemente a sobrancelha, ainda olhando para o túmulo. O céu estava cinzento, era início do outono e tudo começava a esfriar, a chuva a cair e as flores secarem.

Era a minha estação favorita, porém, já poderia prever que teria um péssimo marco dela daqui para frente. Suspirei pesadamente e fechei meus olhos com força.

Minha vida estava seguindo como de costume, eu estava ignorando todos os fatores negativos e tentando subir todos os degraus sem olhar para trás. Consegui finalmente conquistar uma vida, consegui um emprego maneiro, uma casa maneira, a moto dos meus sonhos e estava no auge da minha beleza.

Mas então… eu recebi uma ligação, era do hospital, a recepcionista informava que a minha mãe estava em coma, havia ingerido muita bebida e muita droga. E mesmo que eu tentasse evitar minha mãe, esquecê-la junto com todos os traumas que ela deixou no meu passado, eu corri para o hospital, para ficar ao lado dela e cuidar dela, até que ela me abandonasse de novo e me deixasse de lado, como sempre fez.

Já era costume, e eu já estava cansada disso. Todas as vezes eu ia até o hospital por causa de uma overdose que ela tinha, ela acordava, pálida e com a cabeça doendo, reclama do soro e enlouquecia, gritava comigo e se contorcia tentando sair do hospital. Eu brigava com ela e ela revirava os olhos para mim, ficava com ela até ela sair do hospital e via ela desaparecer nas ruas escuras, com uma bolsa horrível de tecido de onça, o rosto sujo de maquiagem e os tropeços com aqueles saltos enormes e feios.

Meu coração doía, se despedaçava, e eu seguia minha vida normalmente, com suspiros tristes e cansados, já estava até acostumada, tinha construído uma armadura, um tipo de método para esquecer a noite frustrante. Era alguns shots de tequila, uma pizza de frango, um banho gelado e focar no trabalho. Trabalho, trabalho e trabalho.

Mas… dessa vez… ela não acordou. O coração dela acelerou, a máquina começou a tocar aceleradamente, os enfermeiros me afastaram e eu fiquei ali, olhando atordoada o que o médico fazia, o que estava acontecendo. Eu não estava entendendo, não estava acreditando que ela estava tendo uma parada cardíaca. Aquilo não acontecia, não estava no roteiro de sempre. Os médicos colocavam aqueles trecos eletrônicos, contavam e ela se contorcia.

Até que o coração dela foi parado aos poucos, o bip ficava cada vez mais fraco, até que eu só pude escutar aquele som agudo irritante que não parou até que desligassem a merda do aparelho. O som ficou se passando várias e várias vezes na minha cabeça, mas eu não conseguia entender, não conseguia acreditar.

Fiquei horas olhando para a minha mãe, esperando que ela acordasse, mas… ela não acordou.

E agora eu estou aqui, parada, olhando novamente para ela, só que dessa vez, ela estava dentro de um caixão, enterrada, e sua imagem gravada em um túmulo de cimento. Já faz algumas semanas que ela morreu, um ou dois meses, mas parece que ela morreu ontem, que não fazem nem horas. A dor nunca cessa, só aumenta cada vez mais.

Eu tinha raiva dela, uma raiva profunda e que me corroía toda vez que eu via seu rosto tão parecido com o meu, quase como um reflexo. Agora, eu me sinto um lixo, um nada, sem sentido, rumo ou direção. Você nunca imagina que vai perder sua mãe, acha que ela sempre vai estar lá, bebendo na calçada da casa porque esqueceu a chave, ou no quarto dormindo com garrafas de cerveja ao pé da cama, acha que ela vai fazer seu último macarrão instantâneo e colocar um copo de refrigerante velho para você beber sentada em uma cadeira de metal desconfortável.

Ela podia ser a pior mãe do mundo, a mais impossível e idiota. Mas ainda era a minha mãe, e mesmo que na maior parte do tempo eu a visse me olhar com arrependimento, as vezes, eu ainda consigo me lembrar do seu sorriso quando me via dançar feito uma boba ou fazer algo que ela achasse muito idiota, bobo e engraçado.

Enxuguei uma lágrima que caiu do meu olho e comecei a olhar para os meus pés, brinquei na terra sentindo um vazio que nunca imaginei sentir, até que escutei uma voz estranhamente familiar.

— Eu sinto muito.

Me virei lentamente e olhei surpresa para quem eu vi. Era ele mesmo? Estava tão diferente.

— Rafael? - perguntei em um fio de voz.

— Natália.

Ele sorriu triste e eu o fiquei encarando como se ele fosse algum tipo de fantasma, e bem, ele era, um fantasma do meu passado, alguém que eu nunca havia esquecido, mas que esperava nunca mais ver. O meu primeiro amor e o mais inesquecível.

— O que… o que você está fazendo aqui? - gaguejei confusa.

Rafael se aproximou em passos lentos em minha direção e me olhou de uma forma intensa, como se lembrasse de todo o nosso passado em um piscar de olhos.

— Nathan me ligou… me disse algo que eu não acreditei… - ele suspirou me olhando e olhou para o túmulo atrás de mim. — Tive que conferir com meus próprios olhos.

Eu estava atordoada demais para pensar em qualquer coisa e apenas observei Rafael, seus movimentos. Rafael estava mais adulto, com uma barba rala, os músculos mais feitos, mais alto e vestindo algo que dificilmente imaginei nele, um terno escuro e com certeza muito caro. Ele olhava com pesar o túmulo, com os ombros tensos.

— Não tive a oportunidade de conhecê-la, não escutei nada bom sobre ela, mas sempre… - ele me olhou. — Tive a esperança de que um dia ela pudesse mudar e se tornar uma pessoa melhor.

Ri fraco e desviei o olhar para o túmulo.

— Ela nunca sequer tentou… mas, no fundo, eu sempre tive essa esperança. - suspirei com os olhos fechados por conta da dor que aos poucos me consumia cada vez mais. — Não só por mim ou por Nathan, mas por ela também.

— Você a amava. - Rafael disse com um tom profundo. — Mesmo que sentisse raiva, muita raiva, eu conseguia ver que se importava com ela.

O olhei de forma desconcertante, sem saber o que dizer ou pensar. Minha cabeça estava cheia de preocupações e tristezas e não havia espaço para pensar em Rafael naquele momento. Ele havia aparecido no momento errado da minha vida e era só isso que eu conseguia pensar sobre ele naquele momento.

— Isso já não importa mais. - murmurei e comecei a andar, mas antes de ir, parei e olhei para Rafael. — Siga com sua vida, Rafael, e eu seguirei com a minha.

Voltei a andar, sentindo-me estranha, sem saber onde pisar ou como voltar a andar. Estava tão inerte em meus pensamentos que sequer notei que já havia chegado na minha moto. Antes de subir e ir embora de uma vez, chequei meu celular e vi que haviam muitas mensagens do Nathan e de Lise.

Mandei uma mensagem para cada um dizendo que eu estava bem e respirei fundo, peguei o capacete e já pensava em quantas garrafas de cerveja beberia hoje. Beber, naquele momento, parecia o melhor remédio, a única coisa que fazia a dor parar e eu esquecer, por algumas horas, que a minha mãe tinha morrido.

— Natália! - Rafael gritou.

Ele correu em minha direção, parecendo desesperado. O olhei confusa por ele vir até a minha direção e quando estava mais próximo de mim desacelerar seus passos.

— Eu nunca consegui esquecer você. - ele disse com os olhos agoniados e cheios de verdade. — Eu não consigo parar de pensar em você.

Meu coração parou de bater por alguns segundos e eu havia esquecido de como respirar.

Fear and LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora