Sarah

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Dezenove anos de casada e gozando de uma felicidade que apenas os meus amigos acreditavam na existência, pois para mim, verdade seja dita, havia apenas dois seres humanos habitando a mesma casa para dividir contas e criar dois adolescentes.

Cheguei a essa conclusão quando vi o Gabriel roncando ao meu lado na cama, depois que coloquei a camisola que comprei para chamar sua atenção e nem se quer olhou.

Éramos tão apaixonados, quando nos conhecemos. Em nossos primeiros anos juntos tudo era mais fácil, éramos movidos pelo grande amor que nutríamos um pelo outro, porém hoje, o mesmo se sufocava na rotina maçante das contas para pagar e dos questionamentos infindáveis quanto a educação das crianças.

Hoje, estávamos os dois com quarenta e dois anos de idade, filhos e carreira para cuidar. Ou seja, uma rotina que acabava todo o romantismo.

Porém, imaginem uma autora de romances eróticos com uma legião de leitoras que cria livros com cenas de sexo bem hot, viver apenas de um papai e mamãe mensal.

Divórcio era a solução? Não sei, ou melhor, não queria saber, apesar de toda distância ainda amava o Gabriel.

O fato é que tínhamos que conversar, mas como iniciar o assunto? Se ao menos ele demonstrasse que também estava insatisfeito! Mas parecia que o feijão com a arroz de todos os dias era o ideal, o que me levava a pensar que o Gabriel sempre gostou de sexo e fazia questão dos momentos juntos, por isso o que estava aacontecendo?

Quando tudo acabou ou mudou? Quando o Direito e a Escrita se tornaram mais importante que nós dois?

Acordei cedo e como sempre a cada novo amanhecer a mesma rotina.

Preparei o café e a vitamina dos meus filhos, cinco minutos depois meu marido descia as escadas terminando de se vestir e com a pasta de documento nas mãos.

- Estou atrasado, tenho que chegar ao fórum em meia hora - disse depois de encher a xícara de café. Há alguns meses o selinho de bom dia tinha sido abolido e naquele momento refleti que um gesto tão simples pode ter um peso imenso no relacionamento a dois.

- Quer dizer que não deixará o Ricardo na aula de violão? – questionei erguendo uma das sobrancelhas.

- Claro que não – respondeu como se eu tivesse proposto que se jogasse da ponte.

- Complicará toda a minha vida se tiver que sair de casa para levá-lo - argumentei.

- Duas páginas a mais ou menos que escreva ninguém sentirá falta – disse, indiferente.

- Como é?! Em que momento o seu trabalho passou a ser mais importante que o meu? – perguntei entredentes.

Percebendo a minha cara de pense dez mil vezes a resposta que pretende dar, ele como um bom advogado tentou reverter uma colocação que já tinha feito um grande estrago.

- Não disse isso, o que falei foi que o seu tempo pode ser melhor distribuído que o meu. Ainda está no prazo para entrega do próximo romance, não está? – perguntou, fazendo a velha cara do marido atencioso e tive vontade de estrangulá-lo.

- Estou – respondi secamente.

- Viu! Por favor! Estou muito atrasado e não se deixa clientes como esses esperando – concluiu, implorando.

- Está bem, mas marque na sua agenda, pois nós dois precisamos ter uma conversinha - disse aproximando-me dele e estreitando os olhos de maneira ameaçadora.

- Qual o problema, Sarah? Uma das suas maiores qualidades é não ter essa frescura que as mulheres adoram que é discutir a relação – comentou, torcendo a boca com cara de tédio.

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