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Rocinha - RJ
Gabriela 📌

Abro meus olhos, escutando batidas fortes na porta do meu quarto.

Cátia: Gabriela, abre a porta! — era minha mãe batendo na porta, como sempre.

Gabi: Já vai, pra quê isso? — levanto da cama indo abrir a porta.

Cátia: Próxima vez que tu trancar essa porta, eu quebro! — falou assim que entrou no quarto— Se arruma, vamos à igreja. — olho pra ela.

Gabi: Não vou. — volto para a cama e me jogo nela, só querendo dormir mais.

Cátia: Não tem essa de não querer ir, seu pai tá aí e ele quer ir à igreja, então você vai. — abre as cortinas e o vento frio da noite me faz pegar o lençol e colocar por cima do meu corpo — Eu quero você pronta em dez minutos, se eu voltar aqui e tu ainda tiver assim, faço questão de te levar na base da porrada! — sai do quarto e eu fico calada.

Bufo, me sentando na cama, ainda com o lençol no corpo.

Minha vida sempre foi a base de ignorância. Aqui em casa não tem isso de escolher o que quer fazer, ou faz, ou faz. Moro com minha mãe e meu pai, minha irmã se casou com um homem da igreja, ela vive no morro, mas quase não à vejo. 

Meus pais são religiosos, na verdade, minha mãe é, meu pai é só um viciado em drogas que sempre traz dívidas para aqui, e depois vai para igreja, pagar de bom moço e "filho de Deus". Só quem trabalha é eu e minha mãe, como eu sou de menor, meu dinheiro todo vai para a casa, no máximo eu consigo guardar um dinheiro escondido.

Já meu pai, usa nosso dinheiro suado para comprar mais drogas. Sempre que ele usa, ele desconta em mim e na minha mãe, bate, grita, quebra coisas em casa e eu tenho que aguentar isso tudo.

Minha mãe só pensa nela, só pensa na felicidade dela, em mim nunca pensou, pra ela eu sou só mais um peso na vida dela. Ela me obriga a ser da igreja sendo que é uma coisa que eu não quero seguir. Acredito em Deus sim, mas não me identifico sendo uma pessoa que frequente a igreja.

As regras são: não sair de casa, só para o trabalho e para a escola, só usar calças e vestidos ou saias, não fazer tatuagens ou piercings e seguir na igreja.

Amigas eu nem tenho porque nem amigas eu posso ter.

Sou obrigada a ir para igreja, porque aqui é assim, ou eu vou à igreja, ou eu sou agredida, então é melhor ir à igreja.

Minha mãe trabalha em um mercado aqui do morro, eu trabalho na padaria. Meu pai sempre tá na boca, às vezes ele faz uns corres para uns vapores, outras vezes ele tá fazendo dívidas com drogas. E quando não é em casa fumando, é fingindo ser um homem melhor na igreja.

Sabe aqueles homens que sempre vão mudar e nunca mudam? É ele.

Meu maior sonho é sair dessa casa. E graças a Deus faltam três meses para o meu aniversário de 18 anos, daqui três meses eu vou sair desse inferno que moro.

Tô juntando um dinheiro desde que entrei no trabalho, com o dinheiro que tô, dá para mais ou menos uns três meses de aluguel, dependendo da casa.

É o que deu para juntar. Só preciso terminar a escola e fazer dezoito anos. Coisa que falta só oito meses para terminar a escola, faço a aniversário em julho, dia nove.

Minha relação com minha mãe é a base da convivência mesmo, por ela eu me casaria com um homem da igreja que tenha dinheiro, igual minha irmã que apanha do marido. Enfim, ela me trata muito mal, dá razão para o meu pai e ainda apanha dele.

Acho que nem de pai eu deveria chamar, ele foi só meu doador de esperma, e ela, só me gerou e colocou no mundo, porque nem cuidar soube. Uma coisa que eu não tenho deles é amor e carinho. Só tenho ignorância, agressão e humilhações.

Saio dos meus pensamentos, levantando da cama e indo pegar uma roupa. Pego uma calça e uma camisa preta qualquer, indo tomar um banho. Era de noite, eu tava tirando meu sono da tarde, em pleno domingo, mas aí, Cátia veio encher minha mente.

Termino meu banho e saio indo pentear meu cabelo, não era tão difícil, já que ele sempre foi liso natural, só que as vezes ele ficava muito volumoso e eu não gostava. Mas nem produtos para cuidar eu posso ter.

Passo perfume e desadorante, na cara eu não passo nada, por que não tava afim e nem tinha muita maquiagem pra passar, eu só tinha o básico que consegui comprar com meu dinheiro.

Pego meu celular que minha irmã me deu por pena mesmo, mas eu ainda dou graças a Deus, porque pela minha mãe eu tava sem celular até hoje, não é ó celular, mas dá para me tirar do tédio.

Deito na cama esperando a bonita vim me chamar.

Cátia: Já tá pronta, Gabriela? — chegou depois de uns minutos no quarto e eu tirei meu olhar do celular, olhando para ela.

Gabi: Tô. — respondo seca.

Cátia: Vamos logo. — sai do quarto. Levanto e vou saindo do quarto.

Chego na sala vendo Paulo sentando na cadeira. Ignoro a presença dele e saio de casa.

Cátia: Espera, Gabriela! — grita quando eu já estava virando a esquina. Paro de andar, ligando meu celular e mexendo.

Escuto um barulho de uma moto e olho para a rua, onde tinha um homem todo de preto passando nela, e atrás dele, tinha mais uma moto, com dois homens em cima. Ele olha para mim de cara fechada, me encarando. Sustento o olhar, até ele sair do meu ponto de vista.

Paulo: Essa menina ainda vai dar na tua cara, Cátia. — escuto a voz dele logo atrás de mim e apenas respiro fundo.

Cátia: Quando eu chegar em casa eu dou um jeito nela, fica tranquilo. — chega do meu lado — Anda logo! — passou por mim. Respiro fundo, começando a andar atrás deles.

Eu tento me conter, mas na real, eu queria era voar na cara dos dois! Só que eu nem tenho coragem.

Sobre Nós [M]Onde histórias criam vida. Descubra agora