Tirei o dia para organizar meu apartamento, sinto que organizando o ambiente eu organizo a minha vida, tentei não pensar no que Nora me disse, eu queria muito que ela estivesse errada mas os sinais são muito claros para serem ignorados.
Acabei de arrumar tudo, exceto um cômodo. Eu não entro no quarto da tia Margot desde o seu enterro e mantê-lo fechado só me ilude mais com a falsa sensação de que ela está lá. Já se passaram meses e a dor não passa, sinto tanto a falta dela, éramos tão amigas, nunca se quer gritamos uma com a outra. Ela me olhava com tanta amor que eu nunca senti falta de uma mãe ou de um pai, porque ela sempre foi os dois na minha vida. E agora sabendo tudo que ela teve de fazer por mim só me faz mais feliz por ter sido criada por essa mulher.
Tenho que parar de lembrar dela naquela cama de hospital, tão magra e frágil. Meus olhos se enchem de lágrimas só de pensar, tenho que me lembrar dela como sempre foi, uma mulher poderosa e alegre. Sequei os olhos e respirei fundo, já passou da hora de entrar lá. Tremendo eu abri a porta, Atena e Ártemis foram mais corajosas do que eu, passaram correndo pelas minhas pernas, as duas amavam tomar o sol da tarde que atravessava as janelas.
Tudo estava igual, obviamente, as lágrimas começaram a rolar e eu não conseguia parar de chorar mesmo que quisesse muito. A cama enorme ainda forrada com o edredom roxo que ela amava, a penteadeira onde ela passava horas se arrumando está como tinha deixado e o pequeno mas cobiçado closet parecia ser maior do que me lembrava. Uma vez, me ofereci para cozinhar por toda eternidade se ela trocasse de quarto comigo, obviamente ela não aceitou e eu sigo cozinhando até hoje.
Comecei a mexer nas maquiagens me lembrando das várias vezes que entrei aqui sorrateiramente para pegar um batom ou outro, olhei pela janela que dava para as costas do outro prédio, tudo estava como sempre foi. Após me acalmar um pouco, resolvi então entrar no closet, todas as roupas coloridas e extravagantes me pareciam menos bregas agora, daria qualquer coisa para vê-la usando seu casaco de pele rosa mais uma vez.
Passei os dedos pelo seu vestido de seda azul preferido, me lembro de quando ela comprou, viu o quanto eu gostei desse modelo e me deu um idêntico só que branco, a última vez que eu usei foi no aniversário dela antes de descobrir o câncer no útero. Me lembrei que ela tinha uma sandália de tira dourada simplesmente maravilhosa, aproveitei a deixa para procurá-la.
Essa sandália era meu objeto de desejo mais secreto, a tia Margot disse que ganhou de uma amiga e usava sempre que a ocasião permitia, hoje sabendo de algumas coisas, imagino que não foi bem um presente de uma amiga. Procurei nas caixas e o encontrei, minha tia que me perdoe, mas esse sapato agora é meu. Do jeito que ela é eu sou capaz de apostar que ela virá do mundo dos mortos tirá-lo de mim.
Procurei nas outras caixas para ver se encontro algo que eu posso usar no Blue's sem parecer uma perua e me lembrei que dei a ela um par de mocassins vermelhos, que ela nunca usou e teve a audácia de chamá-los de "sapatos geriátricos". Blasfêmia!
A caixa estava na última prateleira, pulei algumas vezes para puxá-la até que caiu no chão junto com uma pasta azul, aparentemente estava em cima dessa caixa, que estranho nunca vi essa pasta antes.
Conferi o calçado e estavam perfeitos, peguei minhas duas novas aquisições e me sentei na cama para ver o que tem nessa pasta. Alguns documentos meus e dela, uns recibos de contas e a escritura do apartamento. Estava procurando esse documento há muito tempo e como nunca vi uma escritura na vida resolvi ler.
- bla, bla, bl... - quanta formalidade pensei comigo até que vi uma coisa - quem diabos é Martino Cresti Piattelli? -
A porra do apartamento esta no nome desse cara, como assim? Li e reli algumas vezes para ver se é isso mesmo, procurei na pasta por mais alguma coisa que possa me ajudar mas nada, só tinham extratos bancários e mais recibos de contas.
Será que esse Martino é o tal homem casado que minha tia se envolvia? Mas não faz sentido, eu moro aqui a minha vida toda, se for ele, presumo que minha tia foi sua amante esse tempo todo. Mas como um cara que dá à mulher um apartamento, convive com ela por anos e sequer aparece no velório? Ele realmente não foi porque eu me lembro de todas as pessoas presentes e não tinha nenhum Martino lá.
A campainha toca, se for o Heron talvez ele possa me ajudar, desci as escadas e fui até a porta correndo, olhei pelo olho mágico e abri a porta imediatamente.
- você não vai acreditar no que eu descobri - falei com entusiasmo
- oi para você também - ele respondeu rindo da minha agitação
Ele continuou parado, encostado no batente da porta então o puxei pela blusa e fechei a porta.
- se quiser tirar a minha roupa tem que me pagar uma bebida antes - devo ter puxado a camiseta com muita força
- você consegue descobrir algo sobre uma pessoa só pelo nome e sobrenome? - perguntei
- olha Liz depende muito, quem é? -
- Eh... - passei o olho na escritura para achar o nome - Martino Cresti Piattelli, esse cara é o dono deste apartamento! está na escritura olha - entreguei o documento, ele leu e releu várias vezes em silêncio, comecei a estranhar o que ele tanto procurava
- ah... - ele fez uma pausa e olhou para mim - esse deve ser o antigo proprietário do imóvel, talvez sua tia não atualizou o documento na prefeitura -
- mas esse sobrenome... - não consigo me recordar mas está na ponta da língua - ele é familiar mas não me lembro de onde -
- deve ser impressão sua, Liz - ele aproximou me devolvendo o documento - quer jantar comigo hoje? -
- jantar? - perguntei confusa
- sim, vou te levar para comer o melhor Risotto da cidade -
- tipo um encontro? - não conseguia tirar o sorriso do rosto
- sim, tipo um encontro! - ele também sorria feito bobo
Meu coração quase explodiu, mesmo depois de tudo que conversei com Nora, ouvir isso da boca dele é tudo o que eu queria.
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Minha - CONCLUÍDO
Romance࿇ Livro 01 da série "Minha" Após sua tia e única parente viva morrer, Elizabeth Larkin se vê completamente endividada e não sendo capaz de manter seu apartamento acaba aceitando uma proposta que parece ser a solução dos seus problemas. Surge uma...