Capítulo 48

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Estava cansada de ficar deitada, então comecei a andar pela cela de um lado para o outro, tentando pensar em alguma coisa, qualquer coisa. Até que escutei passos, arrumei a postura para não parecer tão indefesa, Irene logo surge no fundo do porão com uma bandeja nas mãos, e o brutamontes ao seu encalço. Agora menos transtornada, pude observá-los melhor, Irene é uma mulher baixa, mais baixa que eu se é que isso é possível, tem traços orientais e deve ter no máximo uns 50 anos, seus cabelos são escuros e estão presos em um coque baixo. O homem por sua vez deve ter no máximo uns 40 e poucos, é tão alto quanto Heron e está sempre de preto, se não for gótico com certeza é um militar, não vou com a cara dele de jeito nenhum.

- como você está, Elizabeth? - perguntou Irene com piedade em seus olhos

- estou bem, obrigada! - respondi com firmeza olhando para o careca - esse monte de bosta vai ficar me vigiando aqui embaixo também? -

Ele abriu a cela me ignorando totalmente e com um gesto pediu que Irene entrasse, a chave do cadeado não ficava com Irene e sim com ele, que merda.

- ele só veio me acompanhar - disse entrando com uma calma que chega a ser irritante - Guilhermo, me deixe conversar com ela por uns instantes? -

Irene pediu com tanta ternura na voz que ele cedeu, vejam só o babaca tem coração, será que se eu pedir com jeitinho ele me deixa sair?

- seja rápida, Eleonora pode chegar a qualquer momento - com relutância ele trancou a cela e se afastou, olhando para trás diversas vezes, não vou fazer nada com ela, queria gritar

- como está se sentindo? algum enjoou ou tontura? - perguntou me entregando a refeição

Digna de um restaurante cinco estrelas, tenho que admitir. Um belo bife bem dourado, purê de batatas, aspargos tostados e um pouco de quinoa, está com um cheiro delicioso.

- estou muito faminta para sentir qualquer outra coisa, mas um pouco enjoada ainda - me sentei na cama já devorando tudo - obrigada! - agradeci com a boca cheia

- quando acabar de comer tome esse remédio vai ser bom para os enjoos - ela tirou uma cartela do avental destacando um comprimido o colocando em cima da bandeja - bom... eu te prometi respostas então... vamos lá -

Irene puxou a cadeira de metal para perto e se sentou na minha frente, ficou olhando para as mãos procurando as palavras certas, claramente não queria ser a pessoa encarregada de me contar tudo, Heron é quem deveria ter feito isso desde o início. Eu, por outro lado, não estou me aguentando de ansiedade, mas me mantive em silêncio para não apressá-la.

- seu pai é um homem muito importante e é bastante respeitado no nosso meio -

- com "nosso meio" imagino você queira se referir submundo do crime? -

- exatamente, me perdoe eu nem sei por onde começar - ela balançava a cabeça bastante nervosa, respirou fundo algumas vezes antes de continuar - seu pai é Martino Piattelli, ele e Dario Carlini, pai de Heron, são amigos de infância, herdeiros das duas famílias mais influentes na máfia, tanto aqui quanto na Itália. Ambos têm inúmeros negócios juntos, como hotéis, restaurantes e até boates. Eleonora acabou se tornando muito amiga da falecida Francesca, mãe de Heron, e com essa amizade ela foi inserida nesse meio, foi assim que ela conheceu o seu pai se casando com ele em pouquíssimo tempo -

- Eleonora então... é a minha madrasta? - meu pai é o tal homem da escritura, estou tão magoada com Heron, ele sempre soube e nunca fez questão de me contar

- sim, quer dizer, não mais - ela olhou para trás se certificando de que não teria ninguém nos ouvindo - após poucos meses de casados, Eleonora pediu para abrigar seu primo Bill na mansão em que moravam com a desculpa de que ele precisava de um trabalho -

- e Martin... digo, meu pai, aceitou? - coitado, já sei onde isso vai dar

- sim! Martino acolheu Bill como um amigo, cedeu-lhe um quarto, um lugar na máfia e até um cargo em suas empresas. E mesmo sendo primos os dois tiveram um caso sob o teto de seu pai - me lembrei do que Jess me contou, é por isso também que Heron ficou estranho quando brigamos naquela noite, ele sempre soube quem é Eleonora - seu pai tinha confiando a Eleonora várias ações e bens, mas com a ajuda de uma contadora ela foi roubando aos poucos e quando fugiu levou por volta de meio bilhão de dólares -

- céus! É muito dinheiro - acabei de comer e tomei o medicamento que Irene me recomendou, ela olhava para trás o tempo todo e isso está me deixando aflita - e mesmo depois de tudo Bill continuou vivo? como? - questionei para que ela chegue logo ao ponto

Não faz o menor sentido, se meu pai é tão perigoso como dizem que é, ele não deixaria Bill ter feito o que fez sem nenhuma consequência, essa história está muito mal contada.

- foi por Georgia que seu pai não fez nada, eles se conheceram no Blue's e logo se apaixonaram, sua mãe era uma mulher tão bondosa - ela sorria ao falar da minha mãe, um sorriso sincero e carregado de saudade - mas ao mesmo tempo tão teimosa, que deixava seu pai louco, quando eles de fato começaram a se relacionar foi mais ou menos na mesma época em que Eleonora fugiu -

- você parece saber muito sobre eles - questionei para descobrir como ela sabe tanto

- fui governanta do seu pai por longos anos, Elizabeth - seus olhos se encheram de lágrimas - eu presenciei tudo, dos momentos mais felizes aos mais dolorosos, de ambas as famílias, Carlini e Piattelli -

- você e minha mãe eram amigas, não eram? vejo saudade em seus olhos quando fala dela -

- éramos sim - respirou profundamente olhando para o teto para conter as lágrimas - continuando... antes de fugir Eleonora deixou Bill como sócio de vários negócios, a princípio não desconfiaram e ele mesmo fez questão de deixar claro que não sabia de absolutamente nada, mas seu pai muito astuto colocou vários homens para segui-lo e foi assim que descobriram o caso dos dois, mas Eleonora fugiu antes de ser pega, Bill não teve tanta sorte -

- e meu pai não fez nada? - questionei mais uma vez

- eu já vou chegar nessa parte, seu pai manteve Bill trancado neste mesmo porão o espancando dia e noite, quase morreu de tanto que apanhou, e mesmo com o rosto completamente deformado não revelou a localização de Eleonora - Irene remexia na cadeira se lembrando do que aconteceu e se pudesse tenho certeza que sairia correndo daqui, não deve ter sido algo agradável de se ver - enquanto tudo isso acontecia sua mãe te teve em segredo, e por segurança manteve contato com seu pai de forma discreta. Mas por um triste descuido, Eleonora a encontrou e descobriu que tinha um enteada, Georgia a fez acreditar que Martino não sabia nada sobre você e que eles haviam terminado antes dele notar a barriga. Era o sonho de Eleonora ter um herdeiro Piattelli, mas era infértil, então de forma impiedosa ela matou a sua mãe por vingança e inveja -

- ela matou a minha mãe? como ela pode? - estava tentando segurar as lágrimas mas não consegui, a dor da decepção não se compara a dor que sinto pelo que aconteceu com minha mãe, Eleonora é um monstro

- quando sua mãe foi capturada você estava com ela, e como Martino em tese não poderia saber que Georgia ficou grávida, para te manter segura, ele teve que fazer algo que nem eu imaginei que conseguiria, ele libertou Bill do cárcere. Bolou um plano com seus homens para que Bill fugisse acreditando que fez isso sozinho -

Isso explica tanta coisa, eu entendo que foi para minha segurança mas eu já sou madura o suficiente para compreender as coisas, me dói saber que nem minha tia e muito menos Heron confiaram nisso. Me dói saber que minha vida foi uma mentira inventada e omitida.

- Eleonora te entregou a Margot com duas condições: que você fosse criada por perto e que Martino nunca soubesse que tem uma herdeira além dela, prometendo que assim você poderia viver uma vida normal, uma manobra para negociar com Martino em caso de necessidade -

- eu me-merecia saber - foi só o que eu consegui dizer entre soluços, minha vida agora está longe de ser normal.

- não fique chateada, por favor - Irene também não conseguiu conter as lágrimas e se sentou ao meu lado para me reconfortar, o seu abraço carinhoso era tudo o que eu precisava.

Minha - CONCLUÍDOOnde histórias criam vida. Descubra agora