03 - O DOM

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Correram como se suas vidas dependessem disso, ora, dependiam. Iniciaram a travessia da mata por uma trilha, sem tempo de pensar em nada, exceto sobreviver. Ethan olhou para trás e se sentiu agradecido ao ver o urso na mesma posição, mas sentiu sua espinha congelar. Olhou novamente. Seria impressão sua ou aquele urso estava em seu modo predatório? Sua cabeça abaixada, as orelhas para trás e o olhar afiado beirando ao sadismo. Passaram por um celeiro, outra construção do século XIX feita de madeira, que mal foi notada, diante do terror que sentiam.

Um urro quebrou o silêncio daquele início de amanhecer. O tempo de vantagem concedido aos garotos havia acabado, assim como o de suas vidas. Era uma trilha fechada, a mata impedindo a claridade de entrar e deixando o chão coberto pela folhagem. Como um clichê de filme de terror, Seth tropeçou, caindo por duas vezes. Quase podia sentir a respiração do urso em sua nuca.

Saíram da trilha e correram à margem de uma corredeira. Se conseguissem atravessá-la, talvez aquela besta feroz desistisse da perseguição e poupasse suas vidas. Contudo, não foram rápidos o suficiente. Como um gato costuma fazer com um objeto na beirada da estante, o urso fez com Seth. Tocou de leve seu pé, derrubando-o. Mas o que seria apenas uma travessura de um gato, foi para Seth, aquilo que poderia ter sido seu fim. Seth rolou de forma violenta.

Assistindo à cena com horror, Ethan soube que precisava fazer alguma coisa se quisesse manter o amigo vivo. Procurou ao redor qualquer coisa que pudesse ajudá-lo, mas havia apenas folhas e gravetos que serviriam de palitos de dentes àquela fera.

Mesmo com a sensação de ter sofrido um atropelamento por um rolo compressor, Seth estava determinado a sobreviver. Avistou um agrupamento de rochas e com esforço levantou seu corpo dolorido e o escalou. Sem se preocupar com as possíveis consequências, deixou-se cair no vão entre elas. Os segundos de proteção fornecidos pelo seu esconderijo permitiram que ele contabilizasse os danos causados pela queda. Se impressionou com o fato de ter sofrido apenas leves escoriações. Apesar de dolorido, não havia nenhuma contusão grave.

Se por um lado Seth havia feito um esforço sobre-humano para subir, o grande urso escalou sem esforço algum. Olhando debaixo, enquanto o urso estava agachado, não parecia tão grande. Mas quando se ergueu em fúria, com certeza alcançou à altura de um metro e oitenta de Seth, que para sua sorte, estava protegido.

Ethan começou a gritar, tentando desviar a atenção do animal a todo custo, que estava mais preocupado em encontrar uma maneira de alcançar Seth. Próximo à corredeira, escolheu algumas pedras, que foram atiradas com precisão na cabeça do animal. Isso despertou sua curiosidade e ele passou a caminhar sem pressa em direção a Ethan, que já estava preparado para correr. Como se não valesse a pena, o urso deu de ombros, Ethan podia jurar, e voltou a ameaçar Seth. Uma mistura de alívio e rejeição percorreu seu corpo.

Desta vez, com determinação, o grande urso enfiou sua garra entre as rochas tentando alcançar Seth, que se encolheu como pôde. Às vezes a garra raspava por seu antebraço, causando grandes arranhões. Enquanto Seth tentava esquivar-se e proteger-se, teve o pulso alcançado. Foi puxado e retirado de seu abrigo como um boneco de pano. Encararam-se tão de perto que podia sentir o hálito quente da fera. E com um medo aterrador, fechou os olhos e aguardou pelo momento em que seria dilacerado. Mas de forma inesperada foi lançado à corredeira, como um brinquedo quebrado rejeitado. Ao contrário de Ethan, Seth sentiu-se apenas aliviado.

O urso, com o interesse renovado em Ethan e se importando mais com a caça à refeição, correu em sua direção. Ainda atônito, observando Seth pela corredeira, percebeu tarde demais a aproximação do bicho. No susto, pulou na água e foi levado, não tão rápido quanto gostaria, mas o suficiente para escapar.

A correnteza não estava tão forte, e agora que sabia que seu amigo podia nadar, estava mais tranquilo. Apenas precisava de algo ao qual se segurar para conseguir sair dali.

Rhoars - Os MagiciensOnde histórias criam vida. Descubra agora