05 - O MUNDO QUADRIMÁGICO

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Ethan foi de blasfêmia à súplica diversas vezes enquanto sentia a força da gravidade. Sem conseguir abrir os olhos e aos berros, sentiu seus cabelos saírem do couro, a pele do rosto estirar e as bochechas sacudirem durante aquele frenesi. Sua alma, incapaz de acompanhar tamanha velocidade, devia estar petrificada lá em cima, assistindo com horror à cena que desenrolava.

O terror, que pareceu durar horas, cessou. No momento em que seu corpo se chocaria com o chão, provou mais uma vez daquela sensação de câmera lenta. Ao fundo, reconhecia a suavidade de sons aquáticos. Um leve formigamento percorria seu corpo. A paisagem esmaecendo como uma foto antiga perdendo a cor. E subitamente, estava no céu.

Não o céu daqueles que têm fé. Apenas no alto, muito alto. Se sentiu como um avatar de videogame, que ao morrer retorna à vida despencando da parte superior da tela. Ninguém pareceu notar esse fenômeno. Estavam maravilhados demais com o lugar, uma extensa ponte de vidro grosso e transparente. Nas bordas de proteção das laterais, esculturas de gelo ornamentadas com iluminação. Formatos peculiares, que embora de aparência aproximada com o conhecido, possuíam particularidades. Um arco-íris com nove faixas, dois lobos semelhantes com apenas a cor de seus olhos diferenciando-os, vermelho em um, azul no outro. Um cãoruja, nome dado por Ethan à um animal com o formato do corpo de um cachorro, mas com a cabeça que lhe parecia a de uma coruja. Havia também um pinguim em miniatura, um cavalo em chamas, um dragão-ave e um cacto dando uma piscadela com seus imensos olhos. As esculturas seguiam por toda ponte e eram fantásticas.

Mais incrível, era estarem suspensos sobre uma impressionante paisagem. Pairavam sobre Gorges du Verdon, uma paisagem natural francesa no coração de Provença. Puro encantamento. O rio com águas num belo tom azul-esverdeado rodeadas por cânions imensos. Os turistas em seus barcos não passavam de pequenos pontinhos incipientes, acompanhando aquela linha azul turquesa cercada por dramáticos penhascos de calcário, que compunham o desfiladeiro mais profundo da França. A tonalidade impressionante do azul brilhante vinda dos minerais glaciais eram capazes de tirar o fôlego de qualquer um. Sem contar as cores do céu, que possuíam tons arrebatadores do crepúsculo, assumindo tons de azul, violeta, rosa e laranja em várias nuances. Mesmo aqueles que estavam agachados paralisados pelo medo enquanto enxergavam tudo abaixo de seus pés, como se estivessem flutuando e pudessem despencar a qualquer instante, não podiam ignorar aquele espetáculo da natureza.

Sua experiência no Dinner in the Sky[6]  fora reduzida a pó — pensou, Seth. A vista era tão impressionante, que mal notara a quantidade de pessoas.

— Vocês precisam se misturar! Agora! — exigiu Gwen, quebrando o encanto.

— Vocês?! — retrucou Ethan, erguendo apenas uma sobrancelha. Um gesto provocador tão característico, que deixava seu interlocutor em dúvida se deveria esganá-lo ou ser condescendente.

No caso de Gwen, o desejo foi de jogá-lo lá de cima. Respirou fundo e explicou que apenas os resgatados podiam estar ali. Pediu que não mencionassem o Véu de Transição, nem o seu nome, e sobretudo o de sua mãe. Exigiu ainda o nome completo de cada um, pois seria imprescindível para a entrada.

Como se soubessem o nome da mãe dela — desdenhou em pensamento, Ethan.

— Ethan Griffin.

— Seth Collins.

— Certo, preciso avisar minha mãe. Até breve e boa sorte! — desejou Gwen, antes de sair correndo numa velocidade que invejaria Usain Bolt[7].

Perdidos sem Gwen, mas sem alternativa, examinaram o ambiente sozinhos. A ponte em que estavam interligava dois pontos daquilo que eles chamaram de cidade, na falta de um nome mais apropriado. Delas partiam outra conexão que se interligava com mais uma cidade, e estas cidades, se interligavam entre si. Uma estrutura quadrada suspensa pairando sobre as montanhas. Cada cidade num formato diferente. A primeira, uma silhueta de uma torre imensa triangular, com a base larga e que se afunilava aos poucos até o topo. Senão a maior, uma das maiores dali. Mesmo de longe, via-se brilho em seu contorno, como se possuísse vida própria. Sem dúvida a mais charmosa de todas. A segunda se assemelhava a uma vela grossa e gigante derretendo, meio inclinada, como se pudesse ir ao chão a qualquer instante. A terceira, uma cruz disforme.

Rhoars - Os MagiciensOnde histórias criam vida. Descubra agora