9. Bom humor

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Naquela quinta-feira, Harry não foi trabalhar.

Isso não aconteceu por conta de alguma folga ou feriado nacional, mas sim porque era o aniversário do dono do restaurante, um francês de 60 anos chamado Lorran que já havia se aposentado da cozinha e agora apenas cuidava da parte administrativa, mas que simplesmente adorava fazer aniversário. Por esse motivo, sempre nessa data, ele fechava o restaurante e liberava todos os funcionários, porque ele gostava de comemorar com a família e não gostava de saber que ninguém estava trabalhando enquanto ele estava se divertindo.

Lorran era um senhor incrivelmente doce que, para a alegria de Harry, o adorava e a recíproca era verdadeira. Porém, ao se ver sentado no sofá da sua casa às dez e quarenta da noite, com o cobertor de Theo cobrindo suas pernas, assistindo um filme horrível de ficção científica e se sentindo patético, Harry não estava gostando tanto assim de Lorran, porque, se não fosse por ele, ele estaria cozinhando e vivendo da adrenalina que a cozinha lhe dava, ao invés de estar naquele sofá entediado e ainda mergulhado em melancolia.

A melancolia havia se tornado parte de Harry naqueles últimos dias, como se fosse um órgão ou um membro do seu corpo. Todo o silêncio e distância entre ele e Louis ainda estavam presentes, o que não só era a causa da sua melancolia, mas também o motivo de ela piorar a cada segundo. A cada ida ao ponto de ônibus em que fingia que não via Louis quando eles estavam voltando para casa, a cada vez que ele não dormia ainda pensando naquele domingo da praia, porém agora somado aos acontecimentos do último sábado, quando encontrou com Louis após chegar de seu encontro com Gabriel, a cada vez que sua mente divagava sobre o que Louis havia visto ou não, a melancolia aumentava.

O silêncio aumentava, a distância, mesmo que as duas casas ainda se mantivessem lado a lado, também crescia mais, e a melancolia se expandia como se não houvesse limites.

E Harry não tinha ideia do que fazer quanto a isso, porque a única solução era a que ele temia: conversar. Ser honesto e aberto. Realmente falar, sem nenhuma máscara e atuação - e tudo isso causava arrepios em Harry, porque era simplesmente aterrorizante, quase um filme de terror dentro da sua própria vida.

Suspirou, desligou a televisão quando o exército de robôs começou a atacar os humanos e ficou de pé, pensando se conseguiria dormir naquele dia e fazer com que pelo menos o seu corpo descansasse, já que a cabeça não parecia nem um pouco propensa a isso Levou o cobertor amarelo de Theo para o quarto do garoto, deixou um beijo no meio dos cabelos castanhos dele, que dormia profundamente, longe o suficiente desse mundo, ao contrário do pai, que não conseguia se desligar dele nem por um segundo.

Foi até a cozinha, bebeu um copo de água e começou a procura, que sempre parecia infinita, pelo seu celular, que ele sempre deixava espalhado pela casa e por isso nunca conseguia achá-lo rapidamente quando precisava. Quando estava tirando as almofadas do sofá, já irritado, Harry ouviu a porta da frente sendo praticamente espancada. Os olhos verdes arregalados apenas encararam a porta, com o coração quase na boca, sem conseguir raciocinar exatamente o que estava acontecendo, até ouvir:

- Harry!

Ao reconhecer a voz de Louis, o coração de Harry acelerou ainda mais. Por um lado, o fato de ser Louis na porta era positivo, porque significava que Harry não estava prestes a ser assaltado ou coisa pior. Porém, por outro lado, era Louis na porta.

As batidas frenéticas continuaram e Harry precisou se forçar a se mover, deixando a almofada de lado e indo abrir a porta ainda com o coração na boca. Os olhos verdes encontraram um par de olhos azuis arregalados e mergulhados em algo que parecia um completo desespero. O rosto de Louis estava pálido, o cabelo bagunçado, e os olhos tão fundos e assustados que talvez realmente um assalto estivesse acontecendo e Harry ainda não tivesse se dado conta, tamanho o terror que passava por aquelas íris azuis.

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