14. Maisie

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Harry entrou em casa ainda se sentindo como um fantasma. Estava completamente tomado pela sensação angustiante de estar e não estar presente no momento, de se mover sem entender o que fazia, de não conseguir formular um pensamento concreto que não fosse sobre a discussão de minutos atrás, na saída da festa da irmã. Todo esse misto de sentimentos e memórias o acompanharam lado a lado desde o momento em que ligou o motor do carro até aquele instante, enquanto fechava a porta de casa.

Foi direto para o seu quarto, fechou a porta e se sentou na beirada da cama com os olhos focados na janela, observando a escuridão que dominava a casa ao lado que, obviamente, estava vazia. Após alguns minutos na mesma posição, Harry pareceu finalmente acordar e fechou os olhos, respirando profundamente como se estivesse voltando de um mergulho profundo - e, de certa maneira, ele estava, mas esse mergulho era mais perigoso do que o fundo do oceano, porque era um mergulho dentro de si mesmo, encarando e lidando com coisas que ele desesperadamente tentava apagar, mas sem sucesso.

Quando abriu os olhos, as íris verdes já encaravam outra coisa ao invés da casa vizinha. Encarava seu armário no canto do quarto, que ainda estava com uma das portas entreabertas, como se o convidasse para fazer o que ele queria, mesmo que sua mente praticamente gritasse para que ele fosse dormir e esquecesse de tudo. Ao contrário do que sua parte racional implorava, Harry ficou de pé e foi até o armário, ficando na ponta dos pés enquanto tateiava a prateleira mais alta em busca de uma coisa específica que ele encontrou depois de um minuto de procura praticamente às cegas.

Assim que segurou aquela caixa preta e a encarou, Harry soube instantaneamente que se arrependeria. Contudo, ele não parou: se sentou na cama sem soltar a caixa e com os olhos ainda sobre ela, sentindo como ela mal pesava em suas mãos.

Pouco mais de dez anos atrás, Harry não conseguiria pegar aquela caixa só com uma das mãos por conta do peso que diversos bilhetes trocados durantes as aulas na escola, ingressos de cinema, fotos tiradas na cabine que havia no shopping, palhetas de violão, dezenas de pétalas de flores roubadas do jardim de casas aleatórias de Brighton que possuíam a infelicidade de ficarem no caminho de volta da escola que era percorrido por dois garotos muito apaixonados. Ele mal conseguiria segurar aquela caixa, que tinha as diagonais coladas com fita, por conta do peso que apenas um amor avassalador possuía.

Mas hoje, Harry provavelmente conseguiria segurá-la com três dedos, porque o peso do vazio era muito menor - quase nulo, na verdade.

Ele demorou alguns segundos, mas por fim tirou a tampa da caixa e encarou as duas únicas coisas que ainda restavam dentro dela. Só haviam duas coisas porque, anos atrás, quando todas as mentiras de Louis caíram por terra, Harry fez o que todo adolescente com o coração dilacerado provavelmente faria: ele se livrou de tudo. As fotos foram rasgadas em pedacinhos, assim como os bilhetes das aulas e os ingressos de pelos menos 15 filmes que foram assistidos no cinema. Deu as palhetas de violão para Niall e jogou as petálas de flores, assim como os papéis e fotos rasgadas, no lixo sem olhar nenhuma vez para trás.

Duas coisas sobraram, as mesmas duas coisas que eram encaradas agora pelo Harry de 27 anos: uma delas, era a foto em preto e branco que havia sido tirada por Lottie em um dos milhares de momentos felizes que ele havia tido com Louis e que, durante muito tempo, esteve em um porta-retrato (um presente de Louis) que ficava em cima da cômoda do seu antigo quarto, ainda na casa da mãe. A foto estava virada para baixo, impedindo que os rostos felizes do Harry e Louis daquela imagem encarassem o rosto pálido e quebrado do Harry adulto, mas ainda assim ele viu o "H+L" no verso e escrito com a sua caligrafia.

Harry encarou aquelas letras por alguns segundos, antes de pegar uma das metades da foto com a mão - havia isso: a foto estava rasgada exatamente ao meio. Isso aconteceu no mesmo dia em que Harry foi se despedir de Louis depois de dias sem nem mesmo atender o telefone para evitá-lo. Ainda hoje, Harry conseguia sentir a mesma dor que ele havia sentido naquele momento, quando, em frente a casa de Louis, ele apertou a mão do seu ex-namorado por alguns segundos e disse o texto que ele havia decorado durante todo o caminho: "Eu não vou te dizer tchau. Só vou te dizer que espero que você seja muito feliz e não estou falando isso só da boca para fora, eu realmente torço pra que você seja. Independentemente de qualquer coisa, independentemente da gente. Então... Boa sorte na faculdade, Louis. Boa sorte nos Estados Unidos. E que todos os seus sonhos se realizem."

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