8. Boa noite

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Harry se sentia estranho. Durante toda aquela última semana, ele se sentiu estranho. E agora, no sábado, enquanto encarava Ryan, que havia chegado de Paris naquela manhã, jogando videogame com Theo na sala da sua casa, tudo parecia ainda mais estranho.

Isso não se dava pelo fato de Ryan estar ali - apesar de ser algo incomum naquela época do ano - e muito menos pelo fato de que ele logo iria sair para o seu segundo encontro com Gabriel.

Ele se sentia estranho porque foi vendo Ryan e Theo jogando Super Mario que ele de repente se lembrou que não havia trocado nenhuma palavra com Louis desde o domingo passado. Quando saiu da praia quase arrastando Theo pela rua, enquanto o filho perguntava sem parar por que eles não podiam ficar mais tempo - Harry se sentiu mal por toda essa falta de atenção à Theo depois e pediu desculpas ao filho antes de ir trabalhar naquele dia e, apesar de Theo estar mais focado no livro que Hazel havia trazido para eles lerem juntos, ele desculpou o pai -, Harry mal pensava direito, ele só sabia que precisava sair de lá.

Porém, quando chegou em casa e se sentou com Theo para assistirem a um filme, a sua cabeça pareceu parar. Harry nem mesmo se lembrava do que eles assistiram, porque tudo o que passou pela sua mente desde o minuto em que deu play no filme até o momento em que precisou se levantar para se arrumar, foi como os olhos azuis estavam marejados e mergulhados em dor.

O tempo poderia ter passado, mas Harry conhecia aquele par de olhos como ninguém. Louis sempre foi uma pessoa expressiva, a ponto de ser possível saber se ele estava feliz há quilômetros, porque o sorriso não deixava seu rosto, ao mesmo tempo em que era possível sentir a raiva dele escapando por seus poros. Entretanto, a pior parte de tudo isso sempre era a mágoa, porque toda vez que Louis sofria eram seus olhos que mostravam isso, que deixavam aquela dor escancarada, como havia acontecido na praia.

E Harry não tirava a imagem das lágrimas nos olhos de Louis da cabeça, assim como não esquecia daquela maldita frase, que ficou vagando pela sua cabeça durante todos os seus momentos livres daquela semana, sobre Harry ter tido tempo e ainda assim não tê-lo escolhido. Não esquecia da dor de tudo quebrar dentro de si ao ter a confirmação de que aquela promessa valeu apenas para ele.

Ao mesmo tempo em que tudo isso se tornou um pensamento fixo ao longo dos dias na mente de Harry, assim como a insônia por reviver cada mínimo detalhe daquela discussão na mente em todas as noites - sempre pensando em como poucas palavras saídas da boca de Louis conseguiam fazer tudo dentro dele mudar em segundos, enquanto tentava entender como ele podia ter se sentido tão vulnerável só por ver um par de olhos com lágrimas -, algo que também se tornou fixo nos últimos dias foi o silêncio.

Quando Maisie veio devolver os brinquedos de Theo naquele domingo, Louis ficou esperando no portão e Harry nem mesmo o encarou. Na segunda-feira, ele levou Theo ao ponto de ônibus, assim como Louis levou a filha, mas eles ficaram afastados e ao voltarem para casa cada um seguiu por uma calçada, com a rua os separando (e isso aconteceu todos os dias, até a sexta-feira). Em nenhum dos dias, Maisie e Theo brincaram juntos, porque assim os pais não precisariam se ver. Louis ensaiou com a banda na quarta-feira à noite, mas Harry não foi impedi-lo por conta do barulho, principalmente porque ele não pretendia dormir, já que sabia que não conseguiria fazer isso. Harry não encontrou Louis observando as estrelas em nenhuma noite, nem mesmo no jardim com o notebook no colo enquanto tentava escrever - ele fazia isso às vezes, para mudar de ambiente e tentar encontrar inspiração, e Harry sempre conseguia vê-lo pela janela da sala - ou tentando invadir a sua casa pela porta dos fundos.

Havia só a distância e um silêncio que, ironicamente, era alto demais. Um silêncio que tanto Harry quanto Louis sabiam o que significava, mesmo que não admitissem isso, porque nenhum deles era estúpido: eles sabiam muito bem que não estavam conseguindo se encarar ou conversar, mesmo que do jeito cheio de farpas de sempre, porque tudo o que havia sido dito naquela praia havia sido pesado, havia machucado, havia aberto uma ferida que ambos pensavam estar muito bem cicatrizada.

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