3. O dia perfeito

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Harry tinha tido o que, de acordo com ele, se classificava como o dia perfeito.

E esse nome consistia em basicamente alguns fatores: ter dormido bem, sem a insônia que o acompanhava quase sempre, ter acordado com disposição, não ter nenhum problema para acordar Theo e para cumprir com a rotina dele da manhã até o momento em que o acompanhava até o ponto de ônibus. Conseguiu cuidar da casa com nenhum imprevisto - da última vez, em um dia "não-perfeito", a torneira da pia da cozinha havia estourado bem na sua frente e quase alagado a casa inteira, o que resultou com o restante do seu dia sendo definido por ficar sentado na mesa da cozinha esperando o encanador enquanto Louis, que para variar havia invadido sua casa pela porta dos fundos, ficava o mandando mensagens perguntando se ele já tinha afogado - e ainda almoçou fora, com Gemma, o que sempre o animava, porque ele e a irmã tinham uma ótima relação (e Gemma estava numa fase de encontrar o marido dos seus sonhos, o que significava ir á muitos encontros com os mais variados tipos de cara, então ela sempre tinha histórias boas para Harry ouvir).

Buscou Theo depois da escola, esperou Hazel - a babá dele - chegar e então saiu para a sua noite de trabalho no restaurante. Harry trabalhava em um restaurante francês do centro, chamado L'étoile (ou "A Estrela") há cerca de três anos e atualmente era o subchefe da cozinha do local, o que significava que praticamente todas as reclamações da comida recaiam sobre si, mas até mesmo todo o expediente havia sido tranquilo, poucas confusões na cozinha, poucas reclamações de clientes - realmente o dia perfeito.

Simples assim, um dia comum, sem nenhum acontecimento impactante, mas um dia perfeito. Para Harry, todas aquelas horas não haviam se classificado como um dia perfeito apenas porque ele havia conseguido tempo para organizar seu guarda-roupa ou por ter finalmente trocado a terra dos lírios que ele estava tentando plantar no jardim há algumas semanas, mas também porque, em nenhum momento daquele dia, ele havia encontrado com Louis.

Não o viu no ponto de ônibus de manhã, onde sempre se viam já que as crianças estudavam juntas, porque quem levou Maisie até lá foi a babá dela, uma senhora de meia-idade chamada Chris. Não teve que ir até a casa ao lado no meio do seu dia por conta da música alta demais ou porque Louis estava tentando empurrar a cerca de Harry um metro para trás - um metro que ele insistia que fazia parte do terreno dele, apesar de ser mentira (na visão de Harry, claro). Ele simplesmente não encontrou nem por um segundo com aqueles olhos azuis e isso definitivamente poderia classificar aquela sexta-feira como perfeita.

E a noite seria ainda mais perfeita se Harry tivesse chegado do seu turno - em plena três da manhã! -, dado um beijo no seu filho e caído na cama, não demorando para ser levado pelo sono e pelo cansaço e mais do que pronto para ter outra belíssima noite de sono.

O único ponto foi que Harry se esqueceu, durante o decorrer tranquilo daquele dia, que o conceito de "perfeição" é completamente superestimado. Não existem coisas perfeitas e muito menos dias perfeitos, porque o perfeito é inexistente. Se ele apenas tivesse se lembrado disso, teria entrado em casa com uma certa desconfiança de que alguma coisa, em algum momento, iria dar errado.

E esse momento foi no instante em que deitou na cama. E essa coisa foi o barulho alto, ensurdecedor e exagerado de um gemido. Um gemido de sexo, aquele tipo de gemido reconhecível por qualquer um que já tenha experenciado algo parecido, aquele tipo de som que faria alguns rirem, outros se contorcerem de vergonha, mas que faria Harry, aquele exausto Harry que estava de pé desde às seis da tarde andando sem parar por uma cozinha e tentando não se irritar com as carnes salgadas demais e os molhos sem tempero, simplesmente pensar que poderia explodir de raiva. Explodir.

Harry já havia passado por aquilo outras vezes. Afinal, Louis tinha uma vida romântica bem... animada, se pudesse ser definida assim. Pelo menos duas vezes no mês, Harry via Louis saindo de casa à noite mais arrumado do que de costume - o que significava não usar um conjunto de moletom da Adidas - e era acordado sempre na madrugada com o barulho do carro dele entrando na garagem ou, se Maisie não estivesse em casa, o barulho de gemidos como aquele que ele escutava agora.

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