(42) - Campeão do Primogênito

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"A adoração de Sý'Einna sempre foi forte entre as facções gallênicas. Entretanto, as tribos do sul possuem uma devoção igual, ou até mesmo maior, por Nährus. Ora, não seria o Grande Pai o mestre das guerras, o general dos generais, o Senhor da Conquista? Enquanto Aylentar se orgulha das tradições e o Norte se destaca pelo comércio, os clãs vassalos de Arutama valorizaram a força militar acima de tudo.

Viajante, não se surpreenda se ao peregrinar pelas cidades do sul você encontre um templo de Nährus no lugar de um santuário a Sý'Einna para direcionar suas preces.

Particularmente, acho curioso encontrar o mesmo número de criaturas masculinas e femininas ocupando altos cargos em Surkhedon, já que isso raramente acontece nas outras facções, devido a clássica organização matriarcal desses povos."

- Palavras de um mercador de caravana k'ammuriano, Sobre Gállen



Mês da Promessa


HAVIA INCONFORMIDADE no olhar do porta-voz. O caminhar era lento como de costume, mas incessante. Circundava o pavimento da nau destinado ao arsenal onde somente estavam ele e Osháe, o campeão da Casa de Shimori.

— Mate-a. Mutile-a. Desfigure-a. Faça com que o cadáver dela seja só mais um entre os corpos desmembrados — o servo decretou com seriedade e autoridade inquestionável. — Que a imagem da lunno seja perdida.

O rigor em sua voz era tamanho que fazia com que um guerreiro do porte de Osháe curvar-se.

— Não haverá vestígio dela quando seu sarcófago for feito. Isso é uma promessa, Primogênito — garantiu o grandioso combatente apoiado sobre um joelho.

Osháe fora incumbido de carregar o estandarte do chifre partido à batalha que se alinhava, pois ele era o campeão da armada convocada por Bálshiba contra o inimigo.

O porta-voz articulou o pulso para que o campeão ficasse de postura ereta.

— Há uma razão para os traidores a adorarem e tal entendimento se faz relevante. — Igual um mestre que ensina seu aprendiz, ele iniciara sua narrativa paciente. — Sý'Einna nunca indicou sucessores, pois jamais previra o próprio fim. Em sua vasta sabedoria, nem ao menos cogitara uma herdeira. O Banimento, que tomou a todos de surpresa, esvaziou o trono e a linhagem das discípulas, mas também causou a morte de cada lunno deste mundo. Sem a Grande Mãe, o povo se desesperou; e sem uma lunno para coroarem, o caos imperou. — Osháe escutava atento com a paciência de um caçador que ouve a história de sua próxima presa. Ele sabia que era um privilégio sem igual comungar de tais palavras do Sumo, pois essas representam a visão de Bálshiba, seu posicionamento e opinião, o que era extremamente raro de se conhecer naqueles tempos. — A arrogância do Conselho fez com que seus membros, que não passavam de senadores, acabassem por se intitularem de Regentes, colocando a si próprios em um cargo coletivo para substituir o matriarcado. Um ultraje sem igual e desrespeito profano à imagem de Sý'Einna. — O servo cessou o caminhar sem rumo. — Além disso, negaram a posição hierárquica da Sétima assim como negaram a minha. A Sétima renunciara seu título de Discípula e restou a mim, Primogênito dos Ver'kirins e último divino do antigo Panteão, a clamar a coroa. — Voz maculava-se por ressentimento ardente que nunca se esvaiu. — Ouça-me, campeão de Shimori e meu irmão de sangue; tanto os novos quanto os velhos traidores vivem sob a ilusão do retorno do matriarcado através de uma lunno, por se tratar da mesma criatura que Sý'Einna um dia fora. E isso é simplista, equivocado e deprimente.

Osháe notou a pausa do servo branco. E como de costume, quem falava por Bálshiba era um sothe de fios negros.

O porta-voz continuou:

— Isso é a ingenuidade bruta; a crença desesperada acima da razão. O misticismo em uma lunno não se justifica, por mais que uma única tenha voltado a existir entre nós. É óbvio que não aceitarei uma criatura imatura que nem ao menos possui capacidade de compreender os verdadeiros inimigos desse mundo ocupando o trono da governante suprema dos awbhem. — O servo encarou Osháe e dera o comando definitivo. — Não nos curvaremos para uma criatura dessas pois somos nós que guiaremos o destino do nosso povo — e completou dizendo, dando as costas para se retirar. — Os awbhem estão há muito perdidos. A mão firme do Grande Pai os conduzirá através de minha Forma.

— Seja feita a vossa vontade, Lorde de Arutama — anuiu o poderoso guerreiro.

Osháe não era só alto, mas como detinha uma força absurda e sede de combate sem fim. Sendo um descendente sanguíneo do Grande Pai, ele encarnava o espírito do próprio Nährus.

****

Os Ver'kirins representam uma raça recente dentro da espécie dos elfos, e os mesmos se consideram superiores ante os demais awbhem pela herança de sangue divino do Grande Pai. Dentro da sociedade dos clãs de Arutama, eles representam os agentes e campeões diretos de Bálshiba, sendo que apesar de serem meio-irmãos, apenas acasalavam entre os mesmos da própria Casa, tanto por motivos de manter a herança quanto por crença. São quatro as Casas que dividem a raça dos Ver'kirins, respectivamente uma para cada esposa de Nährus, ao qual carregavam os tributos da mãe:

Shimori, uma sywha da Antiga União, lhe concebera filhos guerreiros de punhos de aço. Por ser uma awbhem, seus filhos eram uma imagem quase semelhante à de Nährus. Não há fêmea ou macho com mais força e resistência do que eles.

Kôhva, uma fêmea dos extintos Dággas, concebeu herdeiros caçadores com o dom da precisão e dos sentidos aguçados. São os que mais se diferem, por carregarem traços da raça que fora manipulada e destruída pelos Asi'Kales. Suas caudas e chifres os fazem reconhecíveis.

Nenuym, uma humana, provera filhos combatentes, tão ágeis na luta quanto um pensamento instintivo poderia ser. Dos elfos, são os que mais facilmente se adaptam a novos terrenos, herdando isso dos ysokem.

Kiáry, uma sh'hila, o presenteou com herdeiros capazes de interferir com o próprio espírito e com o espírito dos demais, o que originou a casta das feiticeiras de Face-Oculta. Posteriormente tiveram habilidades imensamente aprimoradas pelos conhecimentos redescobertos nos vestígios dos Caídos, graças aos estudos de Bálshiba.

Elthuryan fora a exceção. Ele é fruto de uma relação anterior com a Primeira Discípula. Logo, ele é o irmão mais velho e imortal de todos os Ver'kirins, sendo somente Elthuryan puramente divino por nascença.

Contudo, "Elthuryan" é um nome apagado e esquecido por Bálshiba.

Quinta Lua (Livro Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora