"A última notícia que se teve de Zyshuth fora de que ele meditava, recluso como sempre, na vastidão morta que crescia em Itänn. Eu jamais saberia dizer se ele estava arrependido do rumo que demos à guerra, apenas sei que ele sofria de uma imensa depressão em seu sagrado espírito. Não tenho como me comparar a uma divindade suprema como ele, mas em minha mente, cada ação era guiada pela promessa de um dia restaurar o mundo. Podíamos, se quiséssemos, transformar toda Ëathir em um jardim glorioso se tivéssemos tempo e união.
E, em um momento qualquer sem prenúncio, deixamos de sentir a ressonância do Eremita, restando, do Vazio, o eco do que um dia ele sussurrara.
Cogitaram-se muitas coisas, principalmente de que Ele abandonara tudo para buscar redenção consigo mesmo, mas a ideia que tomou proporções imensas foi de que seu espírito fenecera, pois era isso que os seurianos alegavam. Seur'Rane assumira a autoria do assassinato de Zyshuth, e como tantas outras palavras que se declararam falsas de seus lábios, jamais acreditamos. Essa fora uma nova propaganda que cresceu por toda Gállen'thir, fazendo com que os seurianos, tomados por um fôlego renovado e dessem início a novas cruzadas ao deserto, acreditando que estaríamos mais vulneráveis do que nunca.
Viajei à capital dos elfos e fora então que recebi a notícia de que Nyranuai caíra em batalha contra os Asi'Kales, ao lutar bravamente pela proteção de Aylentar. Em meu coração, teorizei que a morte de ambas as deidades amantes não era um acaso, entretanto, não fora sobre isso que fui tratar com nossos antigos aliados da Gállen.
O Panteão Gallênico ainda estava em luto, assim como todo o seu povo, quando nos reunimos à Cúpula do Conselho. Eu lhes narrei tudo com profunda sinceridade. Implorei pela ajuda deles contra os seurianos agora que haviam vencido os Asi'Kales em batalha e mostrei-me a eles sem ocultar minha forma verdadeira. Expus minha carne corrompida que era, para os Arautos, um estigma de orgulho e não de vergonha. Minhas veias pulsavam veneno, meus olhos eram abissais como a Lua Negra e minha voz reverberava como trovão. Meu corpo, a beira do colapse que nunca se realizava, se destruía ao mesmo tempo que se regenerava e eles olharam para mim com pena. Pena de ver uma entidade da natureza decaída. Pena de testemunharem a subversão encarnada. E como resposta, a Grande Mãe dissera que já não podia mais reconhecer meu espírito e os k'ammurianos. Ela acusou nossos atos como hediondos e imperdoáveis.
Supliquei de joelhos ao meio deles, mas eu não passava de uma monstruosidade aos seus olhos, outrora infinitamente amigáveis. Por fim, o Grande Pai negou-me ajuda. Nährus, o Senhor dos Exércitos, rejeitou minhas súplicas. Conheci assim a arrogância élfica em seu primor. O luto ao qual tinham por Nyranuai logo deu lugar a uma ânsia colérica por vingança contra os Asi'Kales e nada mais os gallênicos teriam em mente e em coração por muito tempo. As legiões que sobreviveram à guerra contra os corrompidos foram lideradas pelos filhos de Nährus em uma retomada de terras além de Gállen'thir, onde outrora reinaram os extintos adúl-daggas.
Disse-lhes que era loucura, uma perda de tempo naqueles tempos de reconstrução. Disse-lhes que a destruição de meu povo era mais importante que qualquer expansão militar. Mas o Grande Pai só tinha em mente aproveitar a fraqueza do grandioso inimigo oculto para rechaçá-lo para sempre. A extinção de meu povo pagaria o preço de extinguir um inimigo.
Em minha volta para K'ammur, meditei muito sobre tantos julgamentos e o posicionamento dos elfos nos conflitos. Certamente éramos nós de Mídd os egoístas dentro daquela aliança que ficava cada vez mais frágil. Os Asi'Kales representavam uma ameaça bem mais relevante que os seurianos em um contexto amplo, e isso, na mente de uma divindade militar como Nährus, era o que importava. Quase não havia mais herdeiros daqueles que formaram a aliança; dos campos às cidades, tribais itânnicos tornaram-se a maioria. O panteão da Gállen já não reconhecia mais o povo k'ammuriano e nada faria para nos ajudar.
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Quinta Lua (Ýku'ráv)
Fantasy(LIVRO COMPLETO) *Fantasia Épica em Terceira Pessoa focada na trama entre divindades vivas e mortas: um testemunho lírico em forma de livro sagrado dentro deste universo próprio* (+18) Sinopse: "A Matriarca nos governava com sua eterna sabedoria. T...