(20) - Aprendiz

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"Durante a construção da Grande K'ammur, onde os Rios Gêmeos se reencontram, Zyshuth encontrou nos caçadores nômades a fidelidade necessária para torná-los os defensores do povo e de seu equilíbrio. Esses denominavam-se de Kaskre. Mas foi nos pastores dos vales secos que o Senhor da Passagem identificou a força para auxiliá-lo na proliferação. Esses ficaram conhecidos como Arautos, os pastores da terra, que ao lado de Zyshuth germinaram vida a partir da esterilidade, criando vastos campos de plantação e graciosos oásis em Mídd.

Muito se deteriorou após o Banimento. Os povos dessa Era pouco conhecem dessas histórias, mas ficam felizes por habitarem os nossos jardins mortos, acreditando terem encontrado o refúgio prometido, a terra profética.

O cenário atual é incerto; lordes autointitulados se erguem entre mercantes influentes e mercenários renomados. Esses lutam entre si por riquezas, porém, graças à ameaça externa, acabam deixando de lado a busca pela soberania e apoiam uns aos outros contra os seurianos. Os líderes espirituais, zeladores de templos e amigos dos kaskres, mediam as leis com sua autoridade justa, sendo apoiados por todas as classes por seus serviços místicos. Enquanto isso, as cidades são controladas por governantes locais que subiram ao poder das mais diversas formas, mas que jamais ousaram enfrentar os sacerdotes diretamente. Reinos menores são como estrelas sobre o mapa vasto, que brilham por um tempo antes de serem engolidas ou fragmentadas.

Porém, uma coisa é certa: não há um soberano absoluto de Mídd. Qualquer um que tentasse reinar todo o deserto acabava afogado pelos lordes que se sentem relativamente confortáveis com a situação dos povos desérticos, fornecendo apoio militar aos governantes quando lhes é conveniente, atuando como principais causadores do fim de reinados. Essa sensação generalizada de um governo temporário não é favorável, mas reconheço que poderia ser bem pior. Será inevitável que uma hora um desses senhores se erga com mais força que os demais e prevaleça. Então a Ordem Kaskre terá de escolher o posicionamento com cautela."

- Thâmyr, o Errante do Oeste, um mestre kaskre




A NECESSIDADE de obter suprimentos para a viagem continuava, já que a última tentativa acabou interrompida pela curiosidade alheia do mercador. Thâmyr optou por consegui-los na maior cidade dos Ermos Assolados, em Kathamûl, onde seria bem mais fácil. Yîarien se animou quando ouviu que era uma "autêntica cidade k'ammuriana"; diferente de Wanäe, que preferiria um lugar mais remoto e menos povoado.

Enquanto seguissem pelos Ermos Assolados, estariam dentro da trilha certa, já que essa porção de território era toda a margem desértica aos pés das cordilheiras que findava no mar ao norte, ainda bem distante.

A terra apresentava escassa fertilidade. Gramíneas da relva baixa nutriam o gado de animais pequenos e médios. Cercas com plantações se estendiam para fora dos limites habitados, em colinas rasas que usufruíam da irrigação de um rio local, com vegetais adaptados àquele clima nunca vistos pela lunno. Logo de início, Yîarien se deparou com as moradias da periferia, no terreno inferior. Havia colunas solitárias sem o que supostamente deveriam sustentar, erguendo-se para o vazio do céu. Tendas e casas rudimentares se aproveitavam das estruturas antigas para se firmarem, igual aos bárbaros. Perguntou-se se não seriam descendentes desses que haviam migrado para a Gállen em busca de refúgio e encontrado outra zona de guerra, e se esconderam nas Fronteiras. Thâmyr disse que tinha certeza de que se tratava do mesmo povo migratório, e quando questionou se havia um território sem guerras em Gállen'thir, ele afirmou que não.

A parte principal da cidade fixava-se sobre o relevo, onde as estruturas antigas estavam mais intactas e plenamente funcionais; prédios altos e largos de vários níveis, de contornos bem-acabados, de colunas artificiosamente esculpidas e terraços amplos com ameias. As moradas mais elaboradas apresentavam cúpulas com vitrais no teto. A degradação do tempo ameaçava, fantasmagórica, a cada bloco de pedra lavrada, e os trechos destruídos foram refeitos sem recuperar a grandeza original de seus construtores. A diferença entre os dois níveis era gigantesca; o que restava do centro de uma metrópole fora rodeada por novas construções que em nada conseguiam acompanhar na engenhosidade ancestral. Assustadoramente parecido com a história da própria Gállen em certos aspectos, pois era o mesmo continente assolado por guerras milenares.

Quinta Lua (Ýku'ráv)Onde histórias criam vida. Descubra agora