O GRUPINHO NÃO SABIA DISFARÇAR. Se pelo menos os cinco se esforçassem para parecerem unidos, talvez Dominick desistisse da ideia de conspiração. Talvez o professor só precisasse ver um sorriso naqueles rostos de vez em quando, uma gargalhada depois de uma piada engraçada ou uma conversa natural; sem olhares tensos ou sussurros. Qualquer coisa que mostrasse a amizade entre eles ou, ao menos, uma rasa intimidade.
Mas isso não acontecia.
Os encontros se arrastavam e todos os dias era mais do mesmo. Os cinco reunidos na mesma mesa na cantina: Um calouro, dois alunos do segundo ano e o casal de finalistas, uma união bem improvável. Almoçavam juntos, em silêncio e depois se espalhavam. Cada um ia para sua respectiva sala. Excepto Rafael.
Dominick deixou passar alguns dias. Os observou à distância e não mudou de opinião. Decidiu continuar com o que ele mesmo chamava de "investigação para um bem maior." Se os alunos escondiam alguma coisa, ele precisava descobrir.
***
Rafael sorriu ao ouvir a questão. O professor logo se arrependeu da escolha que fizera. A ideia de separar o grupinho e conversar com cada um isoladamente era boa, mas Dominick não foi tão sábio ao escolher a pessoa pra começar sua investigação.
De todos, Rafael era o que menos parecia se preocupar com a gravidade da situação, na verdade, desde o ano passado que não se preocupava com mais nada, além de não existir. Trajava sempre os mesmos moletons folgados, com mangas compridas que encarapuçavam as mãos e um capuz escondendo a cabeça e parte do rosto. Era como uma receita pra se tornar invisível que ele seguia a risca. Toda vez que passava pelos portões da escola, expunha a frase "Não estou aqui" em seu semblante. Fazia questão de não participar, não dar nas vistas e não ser amigo de mais ninguém além de Liza, com quem compartilhava a dor da perda e a saudade.
Naquele início de tarde, o menino estava sentado na arquibancada do pavilhão de natação quando viu Dominick se aproximar. Havia faltado às aulas dos últimos três dias para ver o treino da equipa de polo-aquático e quando o professor o interrogou, pareceu não se importar com as consequências de sua ação.
— Não ri, isso não é brincadeira. — A voz de Dominick soou acima dos barulhos que saíam da piscina. — Você está perdendo matérias importantes. Se continuar assim vai perder o ano.
Rafael virou para o professor, sorriso de desdém e uma sútil abanada de cabeça.
— Eu não vou perder o ano, professor, relaxa. — Tossiu levemente. — Estou só tirando uns dias para mim, sabe? Para me concentrar.
— Se concentrar?! Fala sério. O que está havendo com você?
— Não tá havendo nada, professor. Tá tudo normal...
— É que você nunca foi disso, Rafael. — O interrompeu. — Isso só deve ter alguma coisa a ver com esse novo grupinho que vocês formaram. Mas qual é o plano? Me diz. Você começa a perder aulas e depois... o quê? Tem algum objectivo por trás disso?
Rafael tentou se manter concentrado, mas não resistiu. Soltou um Risinho, ergueu os ombros e abriu as mãos deixando o mistério no ar. Nem se deu ao trabalho de responder com palavras.
— Você não tá me levando a sério, não é mesmo? — O professor questionou.
O garoto não respondeu de imediato. Com os olhos focados no que acontecia na piscina, estendeu os braços sobre os bancos da fileira de cima e se inclinou para trás cruzando os pés, completamente livre de qualquer preocupação.
— Sabe, professor... — Mudou de assunto do nada. — Quando eu era mais novo, sonhava em ser nadador. Achava essa modalidade fascinante. Lembro que eu assistia todas as competições e sonhava com as medalhas e os recordes. Mas um dia minha mãe chegou pra mim e disse que nadar não é profissão e que eu tinha que deixar de pensar besteiras e focar em coisas importantes. Então eu desisti.
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Teen FictionSempre nos perguntamos como as provocações, as risadas e os deboches podem afetar a vida de alguém vulnerável. Esses cinco meninos podem responder essa questão. Liza, Mara, Tobias, Eduardo e Rafael, são adolescentes vítimas de bullying, que planejam...