24 - Assombros e revelações II

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O INTERFONE TOCOU E DOMINICK SE ALARMOU. Não era costume ser incomodado àquelas horas, ainda mais numa noite de sábado. Ele atendeu ao chamado do porteiro e quando recebeu o recado de que duas adolescentes o esperavam na portaria, ficou intrigado. "Quem poderiam ser?"

Desceu apressado, de short, chinelas e meias nos pés. Se aproximou da portaria e viu uma das meninas de pé bem ao lado do porteiro. Quando chegou mais perto, a reconheceu.

Apesar do estado acuado, postura inquieta e o olhar exalando desespero; Mara com suas tranças ladeadas era difícil de ser confundida. Ela viu o professor se aproximar, marcou dois passos para o lado e deu espaço para a outra pessoa aparecer: Cabelo afro, raspado nas laterais, traços marcantes no rosto e pele escura, se mesclando a noite. Beatriz encarou o professor como quem sabe que causaria surpresa ao ser vista.

— Precisamos falar com o senhor... — Mara informou. As duas traziam o mesmo olhar que margeava entre o medo e a determinação.

Dominick não conseguia se lembrar de ter visto elas juntas em algum momento. Bisbilhotou a memória e não achou nada. Era difícil adivinhar o motivo que as trazia a sua casa naquele horário, mas era fácil se preocupar. Duas adolescentes precisariam ter um bom motivo para atravessarem a cidade àquelas horas da noite, a procura do professor que pelo menos uma delas tentava evitar a todo custo, dias atrás. Mas o que seria?

Dominick deu sinal ao porteiro, que liberou a entrada das meninas e os três subiram para o apartamento.

Já lá dentro, as meninas se acomodaram sobre o sofá enquanto passeavam o olhar pelo cômodo minúsculo, de decoração modesta. Chamou-lhes a atenção a quantidade de livros que decorava o lugar, as fileiras sobre as prateleiras que cobriam a parede à direita do sofá, além os pequenos amontoados distribuídos sobre o criado mudo e a escrivaninha perto da janela. Na mesinha de centro, havia um, esfolheado, bem ao lado de uma pequena bandeja com um sanduíche comido pela metade. A personalidade de Dominick já sugeria que ele não era dado a convívios sócias estereotipados e que passava boa parte do seu tempo em casa, lendo. Seu apartamento solitário só confirmava as suspeitas das alunas.

O professor pousou dois copos com água sobre a mesinha a frente das duas.

—  Então... O que vocês têm para me dizer? — Olhou para Mara com atenção, mas ela desviou o olhar. O nervosismo saltava aos olhos. Mara focou em Beatriz como se tentasse comunicar alguma coisa, mas a companheira não parecia entender. A menina respirou, estendeu o braço e catou o copo de água sobre a mesinha. Bebeu como se sua vida dependesse disso.

— Ah, sim... Você disse que precisarias falar com o professor, sozinha, antes de mim! — Beatriz se lembrou de supetão. —  Eu vou ficar lá fora enquanto isso.

Se levantou e saiu. O professor ficava mais confuso a cada momento.

Já sozinhos, Dominick viu Mara se retrair, como se quisesse ser engolida pelo sofá. A expressão no rosto da menina foi da ansiedade ao pânico em segundos.  Precisou tomar um segundo copo de água e respirar.

— O que houve? — O professor ajustou a voz em um tom convidativo. — Quanto mais vocês ficam em silêncio, mais eu fico preocupado.

Mara suspirou.

— Eu sinto muito por incomodar o senhor a está hora, num sábado. Mas eu não podia deixar pra segunda-feira. Pode ser tarde.

— Como assim?!

— É que... — Mara abaixou o rosto enquanto seus dedos afagavam o copo que segurava sobre o colo, a voz começou a falhar. — Vai acontecer algo... algo terrível, na segunda-feira, se... o senhor não me ajudar a impedir.

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