23 - Assombros e Revelações

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UM CLIMA DE VELÓRIO BANHAVA O COLÉGIO NAQUELA SEXTA-FEIRA. Nem mesmo o facto de ser o aniversário da Rainha Tina animava os alunos, na verdade, quase ninguém se lembrava. O que se via no rosto de todos era um conhecido desconforto, o mesmo clima de a um ano atrás, depois da morte de Nathalia. Jovens adolescentes esgotados emocionalmente, sem vontade de nada, se arrastando pelos corredores feito zombies. Sonambulando, com culpa por cada risada que deram as custas de Rafael, de sua cabeça raspada e de sua palidez.

Parecia um ambiente pré-apocalíptico. Tensão nas salas de aula, corredores vazios e as convivências no pátio ou em qualquer outro lugar do colégio tinham sido dispensadas. O plano de todos parecia ser o mesmo, estudar e ir pra casa. Fugir do terror que era encarar o peso dos atos inconsequentes que praticaram ao longo dos anos. Fugir das lembranças do Rafael correndo pelado pelo jardim, do Rafael debruço sobre o chão depois de tropeçar na perna de alguém, ou do Rafael afastado, sentado lá no fundo da cantina, sozinho, rejeitado por ser estranho demais para merecer a companhia de alguém. A culpa visitava todos naquela manhã. Todos tinham contas a prestar às suas próprias consciências.

Na verdade, quase todos...

— Nossa... Esse lugar está deprimente! — O grupinho, que aproveitou a calmaria para ocupar uma das mesas do centro da cantina, viu Tina se espantar ao entrar com o namorado e o amigo de sempre, do lado. — Nem parece que hoje é um dia especial!

Daniel passou a mão no ombro da menina e sussurrou em seu ouvido o que pareceram ser palavras de conforto. Tina sorriu e ergueu a postura, olhou para o centro da cantina, viu o grupinho reunido, mas os ignorou. Virou o rosto e caminhou para sua mesa em silêncio.

— Eu estou sonhando?! — Eduardo tateou o próprio corpo. Olhou para Mara como se buscasse uma confirmação, mas a menina se isentou.

— Achei que não tinha como esse dia ficar mais estranho. — Liza ironizou com a voz danificada. Faziam dias que passava suas noites fazendo tudo, menos dormindo. E Rafael e Nathalia eram "companhias" frequentes nesses momentos de insónia. — Acho que eu estava errada!

Tobias interferiu.

— A gente deveria estar feliz que eles nos deram uma folga. Estamos em um momento importante da nossa reunião. Foco, gente.

O assunto que os trazia para cantina era o mesmo de sempre, mas dessa vez, bem mais objectivo. Os últimos detalhes do plano misterioso estavam a ser acertados e, para Tobias, era importante que todo mundo prestasse a máxima atenção. Depois que o garoto alertou acerca desse quesito, Liza e Eduardo cessaram os comentário sobre a monarquia e decidiram focar na reunião. Levou um tempo para recordarem em que ponto estavam, mas quando o fizeram, antes mesmo que retomassem de onde pararam, a atenção deles foi desviada novamente.

Beatriz Sulivan, a até então namorada de Éric, adentrou no recinto, chamando a atenção da maioria como sempre, passou pela Monarquia sem olhar para Eric ou dizer uma palavra e seguiu caminho. Se sentou em uma mesa afastada, bem longe da de costume. Deu pra ver Eric acompanhá-la com o olhar por uns instantes, até fechar o rosto e externar um desinteresse. Os poucos alunos espalhados pela cantina sentiram a tensão da situação.

— Parece que muita coisa está fora do lugar hoje, hein! — Tobias admirou.

Eduardo cerrou as sobrancelhas.

— Se te referes a Beatriz, saiba que ela nunca pertenceu ao grupo desses idiotas.

— Mas ela sentava com eles o tempo inteiro.

— E daí?

Tobias arqueou a sobrancelhas.

— E daí que isso por si só já significa que ela era parte do grupo.

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