12 - Liza & Rafael.

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LIZA APROVEITOU A MANHÃ DE SÁBADO PARA IR AO HOSPITAL. Encontrou Rafael sentado sobre a cama, de costas, ajeitando alguma coisa em seu peito. Ela parou do lado de fora do quarto, o observando pelo vidro da porta, enrolando pra ver se o nervosismo passava. No dia anterior, quando falara com Dominick sobre visitar o amigo no hospital, não imaginou que se sentiria desse jeito: Ansiosa, assustada, com medo de descobrir a verdade escondida por trás da palidez e do olhar fundo que o menino carregava há meses.

Liza e Rafael se conheceram bem na primeira semana de aulas, há um ano. O primeiro contacto foi no meio do pátio e ela se lembrava dos detalhes. O entusiasmo de calouros em seus primeiros dias num colégio do ensino médio, surpresos com tudo o que viam, olhando pra todo lugar; alunos entrando e saindo, muitas opções de amizades, uns até bonitinhos, pro seu gosto; mas, por alguma razão, o garoto magriço de cabeça raspada foi o que chamou a atenção da sua melhor amiga, Nathalia, sua confidente desde a sexta série. Quando Nathalia chegou com Rafael e o apresentou para Liza como sendo o garoto que conheceu no primeiro dia de aula, uma simpatia floriu.

Talvez por ser calma e contida, a amizade com duas pessoas faladeiras resultou para Liza. Hoje, mesmo tentando evitar, volta e meia ela se lembrava dos momentos com os dois, as idas ao parque de diversões, conversas ao léu e gargalhadas intensas que os deixavam com a barriga doendo. Era tudo muito genuíno. Tinha também os momentos menos felizes, em que Tina e os comparsas disseminavam seu veneno para os três, mas não os afetava como hoje. Naquela época, Nathalia costumava dizer que gente infeliz faz de tudo pra espalhar sua infelicidade às pessoas ao redor, e que o que eles tinham que fazer era ignorar e serem ainda mais felizes. E eles conseguiam.

Os três seguiram nessa amizade leve e descontraída por muito tempo e só depois de Nathalia partir foi que Liza percebeu que nunca se conectara ao Rafael de forma pessoal. O abraço no funeral da amiga foi o primeiro contacto nesse nível, mas já era tarde demais. O elo que os unia já havia se rompido, e da forma mais marcante possível. Depois disso, os dois construíram barreiras e, sem motivos pra sorrir, seus encontros passaram a ser dominados pelo silêncio e a tensão. Como se ficassem juntos mais pela pessoa que se foi do que por eles mesmos. Com o tempo, foram ficando ainda mais vulneráveis ao Bulying e às brincadeirinhas da Monarquia. Continuaram juntos, ocupando as mesmas mesas, porém imersos na solidão, até Tobias aparecer com o seu plano misterioso e o grupinho se formar.

Agora, enquanto olhava o amigo pelo vidro da porta daquele quarto de hospital, Liza via tudo passar em sua mente. A culpa subindo, se tornando maior a cada palmo, além de trazer o medo consigo; medo de não conseguir ser o ombro que o amigo precisava no momento, e de falhar com Rafael caso ele precisasse de apoio, tal como sentia que falhou com Nathalia.

Tomada pelo receio, Liza desistiu da ideia de encarar o amigo. Tirou a mão da maçaneta e marcou passos para trás, tentando ir embora, mas Rafael se virou bem nesse instante.

— Liza?! — A surpresa na voz ficou evidente. Ele a encarou e com um gesto, a convidou a entrar. Liza abriu a porta, embaraçada. — A quanto tempo você está parada aí?

— Ah... Eu acabei de chegar. — Ela desenhou um sorriso constrangido enquanto se aproximava. — Nem deu tempo de te pregar um susto como havia planejado...

— Por um momento me pareceu que você estava indo embora.

— Não, claro que não! — Ela disfarçou.

Se aproximou, sentou sobre a cama e o abraçou, algo que nunca tinha feito de forma espontânea. Rafael se surpreendeu, mas retribuiu. Só depois que se viu entrelaçado pelos braços da amiga foi que ele percebeu que também precisava desse contacto.

Depois do abraço, Liza teve tempo de reparar o menino enquanto ele se ajeitava sobre a cama. O mesmo rosto pálido de sempre, agora enfeitado por um tubo de oxigénio que atravessava o nariz. Fios conectados ao menino ião até um monitor perto da cabeceira, que exibia gráficos e números que Liza não conseguia interpretar.

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