A MORTE DO RAFAEL, ALÉM DO PROFUNDO PESAR, CAUSOU TRÊS GRANDES EFEITOS COLATERAIS: O primeiro foi para Tina, que no dia seguinte recebeu mensagens de alunos descofirmando a presença na sua festa. Ninguém além da Monarquia parecia disposto a comemorar e isso deixou a garota furiosa.
O segundo efeito foi com o baile de 25 anos do Colégio Einstein, que seria em duas semanas. Sra. Eunice tinha preparado um evento único, uma verdadeira gala em prol da ressurreição da boa reputação do colégio. O leilão beneficente já estava todo articulado e, como sempre, a imprensa tinha sido convocada para a cobertura do evento. Alguns elementos da decoração já tinham entrado pelos portões do colégio durante a semana, atiçando o entusiasmo de quem não via a hora desse baile acontecer. Agora, com tudo cancelado, Sra. Eunice se perdia em ligações tentando desfazer cada contrato que fechou: A banda, o buffet e o DJ que ela só contratou por preferência dos alunos.
Tinha ainda um terceiro efeito colateral, mas esse só preocupava Dominick. Com o Baile cancelado, o professor achava que o grupinho ficaria sem uma data para a execução do plano de vingança ou seja lá o que fosse. Se suas suspeitas fossem verdadeiras — e ele tinha quase certeza que sim. — o cancelamento desse baile poderia significar o cancelamento, o adiamento ou o adiantamento do plano do grupinho. E essa última opção atordoava o professor.
O horizonte se expandia e todo mundo acabava afectado pela perda, ou pelos efeitos dela.
Um dia depois do anúncio da morte de Rafael, o colégio apareceu em massa na casa do menino para a cerimónia de homenagem. A ambiência do lugar estava alterada, o clima de reflexão e melancolia se constatava em cada canto da casa, como se as paredes absorvessem o que as pessoas exalavam: Tristeza, culpa, dor e arrependimentos.
A sala estava lotada, quase sem espaço para livre circulação. Para Liza, era irónico pensar que há cerca de um ano, quando ainda calouro e, portanto, entusiasmado com toda novidade do ensino médio, Rafael organizou uma festa em sua casa, distribuiu os convites pelo colégio e no fim, ninguém além de Liza, Nathalia e outros três rapazes calouros apareceram. Mas agora que o garoto já não estava ali para os receber, sua sala estava cheia de pessoas que diziam estar ali por ele.
Pelo que se via, foi só partindo pra melhor que os colegas se comoveram a atender um chamado em nome do Rafael.
Era triste...
Naquela manhã, a falsidade rolava solta. Sentimentos de pesar eram depositados nos vários abraços que os pais do menino recebiam. Sentimentos vindos de pessoas que semanas atrás estavam rindo e humilhando o garoto. Mais hipocrisia era impossível. Todos na sala agiam como se gostassem de Rafael, os ouvidos se prostravam a qualquer um que tivesse alguma lembrança alegre do menino para compartilhar. Olhares desconsolados, e o respeito pela dor do outro escancarado em cada gesto, cada sussurro, enfim... O velório é mesmo o habitat natural da falsidade.
O ruim da morte é que ela existe. Mas o consolo nisso é que ela não descrimina ninguém, o que a torna no maior impulsionador de reflexões e ações. Ninguém mostra estar "nem aí" com a morte de alguém, mesmo não se importando de verdade. Nem mesmo as pessoas mais insensíveis. E naquele dia tudo isso era observável.
Dentre todos no lugar, Liza era quem mais se incomodava com a falsidade dos presentes. A menina, ciente de tudo o que o amigo sofreu, revirava os olhos a cada gesto de pesar que qualquer um dos alunos do colégio Einstein expressava. Se revoltava ao ver as mesmas pessoas que outrora oprimiam Rafael, agora fingindo que se importavam, dizendo frases como: "ele agora está em paz." Sendo que "paz" era o que seu amigo pedia toda vez que era alvo das brincadeirinhas de mal gosto que os colegas faziam.
Muitos ali se sentiam menos culpados. Escondidos sob a desculpa de que não faziam nada ao garoto e só sorriam do que acontecia, como todo mundo. Provavelmente não sabiam eles que as risadas, muitas vezes, são a pior parte do Bulying nas escolas, a que mais machuca; o som mais gritante nas lembranças, mesmo depois de anos terem se passado.
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Novela JuvenilSempre nos perguntamos como as provocações, as risadas e os deboches podem afetar a vida de alguém vulnerável. Esses cinco meninos podem responder essa questão. Liza, Mara, Tobias, Eduardo e Rafael, são adolescentes vítimas de bullying, que planejam...