8 - O Baile.

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DIAS DEPOIS, PELO COLÉGIO, AINDA PAIRAVAM RESQUÍCIOS DA COMEMORAÇÃO DO DIA DE JOGO. Os valentões seguiam desfilando com o peito estufado e o grupinho, como sempre, acuado; mas dessa vez por questões diferentes. Depois do que aconteceu com Rafael naquele início de tarde, o garoto sumiu do colégio. Não atendia as ligações nem respondia as mensagens dos seus companheiros, como se estivesse em hiatos da vida social. A preocupação começou a permear os encontros do grupinho, o que aconteceu com Rafael se tornou num mistério a ser desvendado. Mara, a mais preocupada, já pensava no pior.

Entre teorias e suposições, a apreensão aumentou quando um comunicado soou pro colégio inteiro. A voz da diretora pelo altifalante, com pujança, alarmou o grupinho. Aulas foram interrompidas, salas esvaziadas e as cadeiras do auditório gigantesco, outrora abandalhadas, agora comportavam boa parte dos alunos do colégio. Um anúncio seria feito e todos estavam curiosos para saber sobre o que era.

Diante da agitação, Dominick também sentiu o toque da curiosidade e decidiu fazer parte do encontro. Em meio ao fluxo dos alunos, ele entrou no auditório, e rapidamente percebeu a ansiedade revoando as cabeças dos presentes. Sua observação não o enganava, via ali adolescentes levianos, cheios de brincadeiras, tão perdidos naqueles metros quadrados como estavam no mundo; andando entre a multidão, trocando risinhos com os amigos ou com os rostos afundados em seus celulares; como se precisassem de GPS pra encontrar um lugar e se sentar.

"Essa reunião vai demorar..." O professor murmurou.

Certo instante, sua atenção foi desviada para alguém que parecia a mais perdida dentre todos. Mara estava tão agitada, que passou pela porta, esbarrando em alguns colegas, e não virou para se desculpar. Seguiu caminho, em meio a enchente de alunos. Ela varreu o auditório com o olhar como se procurasse por alguém e só se aquietou quando viu Tobias acenar de longe. Quando se aproximou do namorado, sentou ao seu lado e sussurrou algo em seu ouvido, parecia preocupada. Tobias passou a mão sobre seus ombros e abraçou-a. Proferiu palavras que a confortaram e ela pareceu se acalmar.

Dominick observou tudo isso.

Havia uma mútua-dependência entre os dois. O professor não sabia explicar. Muitas vezes viu Mara fazendo o que não queria para agradar a Tobias, enquanto Tobias usava a menina como moleta emocional. Para o professor, o garoto tinha nela a aprovação que o impulsionava a seguir empurrando a vida triste com a barriga, só que nem sempre isso era suficiente; e eram nesses momentos, quando as conveniências falhavam, que se enxergava a infelicidade que um proporcionava para o outro. Eles não se faziam tão bem.

Dominick se juntou aos outros dois professores, parados em pé junto ao palco. De lá, ainda conseguia ter a visão panorâmica dos alunos espalhados pelos assentos, disseminando murmúrios naquele recinto fechado. Alguns minutos depois, Liza e Eduardo entraram no lugar e se juntaram a Mara e Tobias, o grupinho agora estava quase completo. Auditório lotado, alunos ansiosos, ruídos dos sussurros espalhados no ar; tudo isso terminou quando a Diretora Eunice brotou no palco e pigarreou sobre o microfone.

O silêncio se instaurou.

— Bom dia, estudantes. Peço a vossa atenção, por favor. — A mulher ajeitou seus óculos. Regulou a altura do microfone e encarou a multidão. — Essa reunião foi convocada porque tenho algumas informações a passar a vocês. E a primeira não é tão agradável: Como vocês já sabem, o nosso time de basquete alcançou a semi-final do intercolegial pela primeira vez nos últimos anos. O que é ótimo. Mas devido a confusão que se criou no final da partida, nós fomos sancionados. Nosso próximo jogo será em poucos dias, contra o colégio Alvorecer. Seremos os visitantes desta vez e, por punição, estamos impedidos de levar a torcida connosco.

O anúncio foi mal recebido pelos alunos. Um burburinho de reclamações se criou.

— Silêncio, silêncio... — A voz no microfone soou acima dos murmúrios. — A decisão não é discutível. Era isso ou desclassificação, então eu tive que aceitar. O que precisamos fazer é acreditar que os nossos jogadores estão preparados para esse desafio. E eu acho que eles estão.

Deu pra ver a satisfação no rosto dos tais, que ocupavam a primeira fileira dos assentos. Dominick, perto do palco, dividia sua atenção entre a diretora e os alunos e observava de tudo. Desde a postura orgulhosa das estrelas do basquete, quando citados, até o jeito aliviado do grupinho, sentados lá atrás, que antes agiam como se receassem receber outro tipo de notícia ruim.

— Mudando de assunto... — A diretora Eunice prosseguiu. — Agora tenho uma ótima notícia: É com muita felicidade que recordo a vocês que o aniversário do colégio se aproxima. E neste ano realizaremos o nosso conceituado baile, que é uma tradição. Como vocês sabem, nesse baile acontece um dos maiores encontros entre personalidades da educação, graças a temática solidária do evento, e ao leilão beneficente que antecede a cerimónia. Esse ano não será diferente. Teremos convidados especiais que virão aqui comprovar a boa reputação do nosso colégio e o bom trabalho que fizemos depois do incidente do ano passado.

Por um momento, deu pra sentir a tensão no auditório. A diretora fez uma pausa, respirou e prosseguiu com um tom mais suave.

— Não é novidade pra ninguém que no ano passado tivemos que quebrar essa tradição e cancelar o evento, tudo por causa do incidente com a vossa colega Nathalia, que afetou a todos nós. Mas nesse ano voltaremos em grande. Faremos um evento bonito também em homenagem a ela, certo?

Os alunos vibraram, empolgados.

Boa parte deles participaria desse evento pela primeira vez. Estavam ao rubro. Aplausos, gritinhos de comemoração e alguns assobios foram ouvidos. Em meio a alegria dos alunos, a diretora prosseguiu com seu anúncio, mas Dominick, ressentido, desencanou. Parou de prestar atenção no que a senhora dizia.

Haviam um tom de falsidade no discurso da diretora, e o professor sabia bem disso. Entendia que esse evento nada mais era do que uma manobra de relações públicas para limpar o nome do Colégio e vender a ideia enganosa de que tudo estava bem, e isso não era a verdade. O que aconteceu com Nathalia, no ano passado, não foi um acontecimento isolado como a Diretora afirmava em seus discursos e entrevistas, mas sim o resultado das várias denúncias negligenciadas por ela; do ódio e segregação que se disseminou pelos corredores, que eram ignorados por Eunice e toda sua equipa: A coordenação, a diretoria, os professores e até a psicóloga orientadora. Todos estavam cegos para a realidade do colégio, ou fingiam estar.

Quando o anúncio terminou e os aplausos soaram, Dominick emergiu de suas reflexões, viu a diretora se retirar rumo ao seu ades, longe dos alunos e de suas confusões, como sempre. Em instantes, o auditório foi esvaziado e os corredores voltaram a lotar. Alunos indo e vindo, como de praxe, uns voltavam para as salas e os outros, os mais autocratas, decidiram por si mesmos que o dia de aula havia acabado e partiam para a saída do colégio.

Dane-se as regras.

Dentre tantos, apenas quatro meninos chamavam a atenção do professor. Agrupados no fim do corredor, Mara, Liza e Eduardo ouviam Tobias com uma certa atenção e tensão. O menino parecia empolgado, mas não aquela empolgação alegre, como a de um cachorro prestes a sair pra passear. Sua empolgação vinha acompanhada de um olhar sombrio e uma motivação que assustava.

Era perceptível.

Dominick se aproximou o suficiente para ouvi-lo dizer uma frase: "Essa é a data perfeita!" Porém Tobias parou de falar quando notou o professor se aproximar. Dominick passou como quem não quer nada, e Tobias, receoso, deu sinal para que o grupinho se espalhasse. A reunião foi interrompida e a conversa foi deixada pra lá, mas a frase "Essa é a data perfeita" Ficou plantada na cabeça do professor.

Ele não queria acreditar no que aquilo significava. Apesar de ser óbvio.

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