16 - Mara.

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TODA VEZ QUE TINHA AULAS EM UMA DAS SALAS CUJAS JANELAS DAVAM PRO ESTACIONAMENTO, DOMINICK SE PERMITIA VISLUMBRAR AQUELA VISTA. Depois dos muros do colégio, havia toda uma cidade, imergida no ir e vir, como sempre. Edifícios, dos mais antigos aos mais modernos, refletiam a luz do sol em suas fachadas de vidro. Entre eles, um sistema denso de ruas e avenidas que se entrelaçavam, formando vias que movimentavam a cidade. Carros, ónibus, bicicletas; mulheres, homens, animais de estimação, todos envolvidos no ritmo acelerado da vida urbana pulsante que a cidade impunha.

Já do muro pra dentro, era diferente. Ao contrário das janelas da parte de frente do edifício do colégio, que mostravam o pátio e sua agitação, as voltadas pro estacionamento transmitiam o silêncio dos carros parados, e da total ausência de alunos no lugar. Era hábito de Dominick passear seu olhar pelos metros quadrados e não ver nada além de carros e pombos perambulando naquele espaço. Só que, naquele dia, o ambiente estava diferente. Quando os pombos espalhados se aglomeraram em um só ponto no estacionamento, bem ao lado do antigo ônibus do colégio, Dominick percebeu a menina de tranças ladeadas, Mara, reclinada sobre um passeio, jogando farelos de pão para as aves enquanto seu olhar se perdia no horizonte.

Ele logo percebeu que tinha algo errado.

Ao fim da aula, o professor desceu apressado para se juntar a ela que, dentre todos, sempre foi a menos expressiva. Aquela que, segundo suas observações, não parecia querer fazer parte do grupinho ou aceitar o pacto. Aquela cujo os porquês conhecia de cor, e por isso, Dominick pensava, talvez um momento de isolamento fosse perfeito para convencê-la a falar sobre tudo.

Ele precisava aproveitar.

Como todos os outros meninos, Mara também tinha uma história triste pra contar, alheia a opressão que sofria no Colégio. Ela se escondia por trás da sombra de Tobias, mas quando este não estava por perto, era ela quem se podia observar e, nesses momentos, sua dor ficava evidente. Todas as coisas que tentava esconder saíam a superfície: A vergonha que sentia da família e do sobrenome que carregava. A raiva do pai, por ter abandonado a ela, a sua mãe e seu irmão há sete anos; e da sua mãe, por nunca ter superado.

Mara vivia com a mãe e o irmão mais novo, altista, e especial de várias outras formas. Ela aprendeu desde cedo a cuidar das pessoas a sua volta e esqueceu de si mesma. Menina zero vaidades, como era conhecida, especialista em dar apoio e consolo; um anjo na vida de muitos. Se ocupava tanto com os outros que desprezava seus desalentos. Não se curava de suas dores, só as deixava pra lá, o que fazia com que, tempos depois, elas voltassem bem mais fortes do que antes.

Foi numa das várias tentativas de ajudar pessoas que ela conheceu Tobias e se aprisionou. Em um dia de celebração, há dois anos. Na época, eram todos calouros e Tobias era o alvo principal das brincadeiras de Daniel e Eric. O garoto tinha acabado de virar piada no colégio por ter ganhado o apelido de "Tobi pinto-preto." Cujo a origem Mara não sabia explicar. Ele vivia pelos cantos, com o olhar escondido; muita vergonha e talvez medo — Mara acreditava — e essa fragilidade que o menino externava acabou comovendo a garota.

Certo dia, Tobias apareceu com o rosto machucado, como se tivesse entrado numa briga. Mara o viu acuado e se enterneceu. Tinha muita coisa ruim acontecendo com ele, ela decidiu ajudar. Mara então se aproximou do menino, sorriu para ele e ele sorriu de volta, os olhares se mesclaram. Daí pra frente ela foi seu colo, seu conforto, e o que era amizade se tornou nesse amor que conhecemos hoje.

Para alguns, talvez fosse melhor que Mara nunca tivesse se aproximado do menino. E Dominick era um dos que pensavam dessa forma.

— Isso é raro! — O professor se anunciou. Parou diante da menina com os ombros apoiado no ônibus antigo do colégio. Mara se assustou, mas ao reconhecer Dominick, o alívio tomou conta.

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