Capítulo 02

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    Escrevo mais alguns parágrafos em meu caderno, apresento neles  algumas das minhas teses sobre o ato de lecionar e blá blá blá. Na verdade não estou muito focada, minha mente se esvazia a cada vez que a proporção de pensamentos intrusivos aumenta: "E se Rafael terminar comigo?", "E se deixar de gostar de mim?", "E se ele não achar que sou uma mulher para ser levada á sério?"

Batuco o lápis freneticamente no caderno, tão rápido quanto sugestões piores do que poderá acontecer no futuro, ecoam em minha cabeça. 

Eu gosto do Rafael, bastante, ele me entende, me incentiva e sempre sabe o que dizer. Rafael me ajudou com a minha mudança meses atrás quando éramos apenas amigos, ele tinha acabado de se mudar de cidade, estava ainda mais perdido que eu mas mesmo assim ele passou dias carregando minhas caixas, inúmeras malas, móveis e também palavras amigas de conforto para minha pessoa, por finalmente tomar a decisão de deixar a casa de meu pai e ter minha "independência" , até porque ter 100% dela é impossível pois meu pai é muito presente na minha vida mas sua super proteção estava me sufocando de certa forma. 

—Finalizamos por aqui, todos saem da sala de forma EDUCADA, está ouvindo Senhor Duarte? —Henrique exclama zangado. 

Todos meus colegas começam a sair da sala de forma passional até a grande porta do salão.

—Posso dormir na sua casa hoje? —Margot questiona envergonhada.

—Não precisava pedir, você sabe.

Não deixaria de forma alguma Margot ir para casa onde Carlos estaria a esperando, para suplicar perdão ou até convencê-la de que aquilo que estava fazendo não era errado. Sinto que Margot se meteu numa fria, se estivesse em seu lugar, arrumaria uma trouxinha com minhas coisas na casa dele sem nem ao menos dar-lhe uma explicação, apenas partiria. Homens com drogas é uma baita confusão, odiaria vê-la passando por algo do tipo. 

—Só me espere no carro, vou falar com Henrique. 

Dou as chaves para a garota. 

—Você está querendo o quê? Que eu beije seus pés ou que coloque sua foto num mural na escola? Não fez mais que sua obrigação. —A voz grossa de Henrique protesta contra as paredes do salão, fazendo a estranha aluna nova tremer com seus papéis em mãos. 

—Boa sorte. —Margot sussurra antes de abandonar a sala. 

Devagar vou descendo as fileiras de carteiras do ambiente quase vazio, na espera de que o assunto dos dois se acabe em breve.

—Sei que você é nova por aqui e quero que fique sabendo que não suporto nada abaixo do excelente. Fez seu trabalho, anotações ou apresentações?, revise. Acha que está bom? Revise. Acha que está ótimo? Revise de novo. Só não me venha com resultados meia boca. 

—Sim senhor, eu entendi. Sinto muito. —A garota nova parece acariciar o suspensório de seu macacão jeans, deveras envergonhada, ainda trêmula com os papéis na sua mão, sai em transtorno e abandona a sala.

—Acho que devo pegar esta folha de anotações de minha mão, enfiar goela abaixo e depois dizer que o cachorro comeu. 

Henrique me olha em deboche, pega o papel de minhas mãos de forma bem grosseira.

—O que quer agora, Gyulia? —Solta firme entre suas ações constantes e rápidas para arrumar sua pasta preta. 

Parece que está ansioso para chegar em casa ou talvez só não quer ter essa conversa comigo.

—Papai me convidou para um jantar no Le Cordon Pasta, sei que você adora massas! Achei que poderia ...

—Não. —Mal sequer deixa-me terminar o convite. 

—Que grosseiro! —Reclamo.

—Não, obrigada. 

O olho feio. 

Por que meu tio é ainda mais teimoso que meu pai? Não consigo nem imaginar as atrocidades que vovó teve que presenciar no crescimento desses dois. Pobrezinha. 

—Tio, por favor essa briga boba está durando por tempo demais! Não acha?

Fazem exatos 5 anos que Tio Henrique brigou com meu pai e eu nem ao menos sei o motivo, talvez tenha sido algo com a minha mãe mas...ninguém nunca me conta nada! Mamãe está bem longe de qualquer forma. 

—Gyulia, me peça qualquer coisa menos isso...não quero encarar seu pai tão cedo.

—Pedir qualquer coisa? —Sorrio em glória. —Meus amigos e eu iremos em um evento super bacana na boate esse...

—Não. Isso não, Gyulia.

Suspiro. 

—Bom, lembra da tia da Margot? A costureira Vânia, ela não parava de falar do quanto o professor Henrique é novinho e atraente...e o vestido que ela fez para mim usar na festa com certeza se tornou a 8°maravilha do mundo. —Quase perco o fôlego lembrando dos detalhes majestosos da peça em meu corpo. —Não gostaria de chama-la para sair em um...

—Não, Gyulia! —Responde irritado seguindo caminho para fora da sala. 

—Não posso pedir nada, afinal! —Vou atrás de seu corpo andando inquieto pelo pátio. 

—Gyulia, não vou me reconciliar com seu pai, não vou a uma festa com pessoas e uma aniversariante discutíveis e muito menos sair para jantar com a tia da sua amiga, então por favor tire essas ideias malucas de seu pequeno cérebro. Por que não vai...sei lá, queimar seus mini neurônios pensando no próximo carro ou salto alto para o seu pai te dar? 

—As vezes eu me pergunto porque um homem tão jovem e bonito está solteiro mas aí eu fico 3 minutos tendo uma conversa com você e compreendo todos os motivos!!!! —Grito ao homem que nem ao menos olha para trás enquanto vai embora. —Que cara insuportável. 

Vou para o estacionamento e logo jogo meu corpo no banco do motorista. 

—Foi tão ruim assim? 

Encaro Margot com minha feição mais desanimada existente. Minha amiga cacheada toca em meus ombros com a intenção de me tranquilizar. 

Meu tio é terrivelmente grosseiro mas eu o conheço desde que nasci, sei que ali bem embaixo daquela casca grossa há um homem com pelo menos...uns 3 sentimentos básicos que uma alma deve ter. Talvez até tenha chutado alto. 

Eu só quero uma parte da minha família reunida, não estou pedindo tanto assim! Posso ter carros, sapatos, bolsas e roupas das maiores marcas mas nenhuma dessas coisas, me desejam feliz aniversário, dizem que me amam ou compartilham uma ceia de natal comigo. 

Ou talvez eu esteja sentimental demais, pode ser um defeito de toda mulher ficar com suas emoções afloradas na semana do aniversário. Que bobagem! 

De qualquer forma tenho que ir para casa e me arrumar para o jantar. 















































































































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