O dia de ontem se passou em um estalar de dedos. Quando deixei de ver tio Henrique, me tranquei no meu novo quarto, apaguei as luzes, deitei na cama e simplesmente fiquei ali à deriva, enrolada no edredom tão cheiroso e limpinho, afundando meu rosto e meus pensamentos. Fiquei em uma dolorosa rotina entre acordar, chorar, dormir, acordar, chorar, dormir.
Vi de relance Lúcia entrar no quarto com comidas e bebidas quentes para tentar me acalmar, mas eu neguei todas. Não quero comer, beber, nem ao menos levantar da cama.Quero ficar aqui neste quarto escuro para sempre até tudo se acertar de alguma forma.
Como se tivesse alguma forma.
Esse certamente é o pior momento da minha vida, eu realmente não estou sabendo lidar com nada disso.
Estou cheia de vergonha e medo, papai matou várias pessoas com suas drogas estúpidas, aliás como ele conseguiu fazê-la de fato? Será que há algum tipo de laboratório embaixo da nossa casa? Ou outras pessoas cuidam dessa parte?
Papai me acompanhou no enterro de Rebecca, como ele pode ser tão estúpido e cruel neste momento? Ir ao enterro de uma amiga que morreu por sua causa! Durante o velório, papai me colocava em seus braços para me confortar de tal atrocidade.Eu não sei como vou encara-lo depois de saber disso.
Leves batidas são ouvidas na porta. Deve ser Lúcia, estou tão fraca que nem a respondo, vejo a brecha de luz emanar da porta, agora aberta.
—Lúcia eu não quero comer, obrigada. —Digo um pouco rouca.
Lúcia adentra o cômodo e acende as luzes fazendo-me reclamar, cubro o rosto rapidamente com a coberta.
—Vim ver como está.
A grossa voz faz com que eu me desperte por completo. Lorenzo, o que ele está fazendo aqui?
Descubro-me embaraçando meu cabelo, sento na cama encarando o homem de terno e muito bem cheiroso, com suas mãos no bolso da calça social.
Fez-me sentir mal, vestindo o conjunto de moletom preto que ganhei emprestado.
—Eu estou bem.
—Não parece. —Se aproxima da cama sem tirar os olhos de minha feição cansada.
De forma abrupta passo as mãos nos nós do cabelo tentando de alguma forma me deixar mais apresentável.
—Lúcia me disse que você não come nada desde de ontem.
Pisco várias vezes na intenção de respondê-lo de forma educada, até porque irritar um mafioso está no top 10 coisas que eu evitaria fazer agora :
—Eu não estou com fome.
Lorenzo tira seus olhos do meu e varre o quarto com os seus tão ríspidos e indiferentes.
—Sei que...tudo isso pode ser muita coisa para você assimilar mas... você é minha responsabilidade agora, nada adiantará se eu entregá-la a seu pai morta por desnutrição.
Levanto-me da cama com dificuldade. — "Entregá-la"? Eu sou uma coisa para você? —Levanto a voz fazendo com que uma das belas sobrancelhas de Lorenzo se levante. Me arrependo assim que recito estas palavras, poxa, o que houve com meu top 10?
—Desculpe-me, não usei as palavras adequadas. —Sua educação faz meu corpo se desarmar, sinto-me muito mal em ter quase pulado em seu pescoço.
Noto que Lorenzo ao entrar no quarto colocou a bandeija de Lúcia no baú da cama, o cheirinho daquela sopa de mariscos faz meu estômago se revirar. Que fome...
Tio Henrique disse-me para ficar na encolha, mas eu não posso deixar de lhe perguntar:
—...Como meu pai te conhece?
—Ele era próximo ao meu pai, Samuel.
Ele responde tão rápido que não parece ser mentira.
—Quão próximo? Eles faziam...isso...juntos?
Isso = drogas.
—Não. Eles eram próximos muito antes disso. —Lorenzo responde sem alguma reação diferente, ele está aqui perto de mim, parado com as mãos para trás se comportando de forma firme e rígida.
Amigos de infância? Amigos de faculdade? O que deve ser afinal?
—Como ele comunicou sobre você de mim? Ele sabia do que iria acontecer? —Movo minhas mãos em ansiedade.
—Seu pai começou a receber ameaças fazem alguns meses, ele me comunicou sobre o ocorrido e me deu a sua supervisão, eu e minha equipe a observamos há um tempo.
Refuta estas palavras como se fossem algo normal, rotineira.
—Vocês me seguem?!—Aumento a voz por um instante . —...Na faculdade, no restaurante...todos aqueles homens bem vestidos naquele dia e também...teve aquele carro me seguindo logo após eu ter deixado meu pai, a balada no meu aniversário...— Relembro de alguns dos momentos. — Era você. —Lorenzo não esbanja nenhuma reação, apenas seus olhos frios me encaram de um sério modo. —Isso é...muita coisa pra eu entender... —Muita coisa mesmo! Lorenzo me conhece há mais tempo do que eu o conheço, até porque mesmo o conhecendo há uns 3 dias eu não sei absolutamente nada sobre ele, apenas seu nome. —Vocês são traficantes também? —Pergunto de forma rápida.
Lorenzo franze a testa um pouco "Ofendido". —Não, não somos.
—Vocês me matariam? Digo...meu pai tem se mostrado um grande mentiroso e se...ele fizer algo que prejudique vocês? ...Vocês me matariam?
Lorenzo volta com suas mãos no bolso da calça mostrando um pouquinho de impaciência.
—Você acha mesmo que seu pai seria corajoso ao ponto de nos prejudicar? Tenho posse da pessoa mais preciosa para ele, Arthuro jamais faria alguma coisa contra nós...e mesmo que fizesse, não perderia meu tempo te machucando, é só te colocar na rua que não duraria 5 minutos. —Se aproxima ainda mais.
Sinto-me ofendida. Pareço uma princesa em perigo ou uma das mais fáceis presas, solta pela floresta cercada de caçadores cruéis. Sinto que vários homens fazem apostas entre si para ver quem me matará primeiro. É uma sensação estranha.
—Espero que você comece a se alimentar... já está tarde, mas amanhã tente sair do quarto um pouco, nossa casa é imensa, temos jardim, área de piscina, biblioteca entre outras coisas... não precisa ficar trancada no quarto, o tempo inteiro.
Ele fez o "cativeiro" não parecer tão ruim.
—O-obrigada.?
—Boa noite, Gyulia.
Meus olhos agarram os seus em surpresa, foi a primeira vez que ouvi ele falar meu nome e porquê isso foi tão bom?
Lorenzo sai do quarto, assim que vejo a porta se fechar e o homem grande dar alguns passos para longe eu devoro a sopa de mariscos, ainda está quente e muito gostosa!
Como uma comida é incrivelmente mais gostosa quando é consumida com fome!
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Em suas mãos
RomanceOs respingos de sangue se chocam em meu vestido vermelho clássico, um tanto curto demais. O barulho de estouros estalam os meus ouvidos fazendo-me incômodo com o agudo que agora, ecoa em minha mente, os homens bem vestidos que me prenderam nesta sal...