III

1.4K 144 51
                                    

Simone estava na sacada de seu quarto olhando para a bagunça que se encontrava em seu jardim. Ela deixou um suspiro escapar ao lembrar de tudo o que aconteceu para que estivesse naquele lugar, naquela situação. Para quem visse de fora certamente parecia uma baita tempestade num copo d'água, mas quem via e vinha de fora não conhecia sua história.

A família Nassar Tebet era formada por imigrantes libaneses que haviam encontrado refúgio, ali, naquele pequeno lugar. Como forma de recompensar o acolhimento que receberam, eles zelavam pela cidade de geração em geração, cuidando uns dos outros. Assim, o amor e dedicação que eram compartilhados dentro daquela casa, romperam porta afora alcançando as fronteiras de Três Lagoas.

Simone e Eduarda eram filhas de Fairte e Ramez Tebet. Simone, a primogênita do casal, saiu de casa ainda muito jovem quando ingressou no curso de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A morena desde pequena havia decidido seguir os passos de sua mãe, também professora, fundadora da primeira escola de Três Lagoas, que levava o nome da família e que agora estava em suas mãos. Simone sentia que aquela era sua verdadeira missão, queria fazer a diferença na vida daqueles que não tiveram as mesmas oportunidades que ela "Ninguém é feliz vendo a infelicidade alheia, Simone.", lembrava-se do que sua mãe dizia durante toda sua infância, e foi com esse ensinamento em seu coração que ela deixou a vida no interior para realizar seu sonho na cidade grande.

Na universidade, ela aprendeu muito mais do que gramática e literatura. Seu maior achado foi o amor. Bem, ao menos foi o que ela pensou. Nos braços de sua colega de classe, Carolina, Simone encontrou muito mais do que uma amizade. As duas compartilharam uma paixão juvenil que foi se tornando cada vez mais sólida através de cada beijo trocado durante as sessões de estudo juntas. Ela nunca havia deixado nada explícito para seus pais sobre sua sexualidade, mas apesar de saber que eles pertenciam a uma época mais conservadora, no fundo de seu coração a morena sabia que ela e sua namorada seriam bem recebidas por sua família, afinal, eles haviam criado ela e sua irmã com a plena certeza de que tinham a liberdade para serem quem fossem.

Ao longo da graduação e mestrado, ela e Carolina faziam os mais diversos planos, sonhavam os mais lindos sonhos. Ambas queriam construir uma família juntas e Simone sonhava com o dia em que teriam duas menininhas com a cara de uma e focinho da outra para chamarem de suas.

Mas as coisas não acontecem da forma que queremos e a vida não segue o roteiro que imaginamos antes de dormir.

Quando estava quase ingressando no doutorado em Literatura, Simone recebeu a notícia de que seus pais haviam sofrido um grave acidente de carro e precisou voltar às pressas para sua cidade natal. Eduarda, que havia seguido os passos do pai no direito e na política, estava em plena campanha para a prefeitura municipal, cargo que Ramez ocupou quando ambas eram pequenas. Ela cogitou desistir da candidatura, mas seu pai a fez prometer que não abriria mão de nada que envolvesse o compromisso que eles tinham com a cidade. E foi por isso, então, que Simone não pensou duas vezes e tomou a responsabilidade da recuperação dos pais para si. Quando a morena foi questionada se assumiria a direção da pequena escola de sua mãe, ela não pôde recusar, sabia que era sua responsabilidade como filha daquela terra e voltar para ela era seu destino. Mas Carolina não foi tão compreensiva com ela, apesar das juras de amor trocadas, das promessas e planos, ela não quis abdicar da vida agitada e com certos luxos no Rio de Janeiro quando sua namorada a comunicou que iria assumir os negócios da família no interior do Mato Grosso do Sul. Um relacionamento à distância estava fora de cogitação, e se tratando de duas mulheres geniosas, a relação acabou ali.

Olhando hoje para ontem, Simone percebe que talvez tenha sido dura demais. Poderia ter tentado diferente? Se esforçado mais? Quem sabe ter dado uma chance ao relacionamento à distância ou se empenhado mais em convencer Carolina a aceitar uma mudança? Enfim, de qualquer modo não seria justo com nenhuma das duas revirar aquele sentimento e o que aconteceu entre elas ficou no passado. O amor era página virada em sua vida.

À Sua VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora