XXIII

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"O que a Deusdete está fazendo aqui?"

A indagação foi acompanhada de olhos e punhos cerrados, deixando claro que dali em diante seria cada um por si e Deus por todos.

"Tem certeza de que é ela? Está tão pequenininha e assim de longe não enxergo direito." Simone ofereceu, estreitando os próprios olhos para ver melhor.

"É sim, tia Sisi! Tá cheia de pintas!" Bibi argumentou, apontando para a bezerra holandesa.

Sem pedir permissão, obviamente, Luiza saiu correndo para perto do piquete esforçando-se para subir na grade que a separava do animal.

"É a Deusinha, tia Si! Ela tem o brinquinho, olha!" Apontou para a identificação de cor amarela na orelha da bezerra que continha a letra T.

"Tia Si, a Deusinha vai ser leiovoada?"

"Eu não quero que ela fique cozinhada, tia Sisi."

Disseram com as carinhas tristes no que as outras três se aproximavam do piquete e Simone assegurava as costas de Luiza para que não despencasse causando um desastre ainda maior.

"Simone, não podemos deixar isso acontecer!" Soraya finalmente se manifestou, acariciando os cabelos de Bibi que se agarrava à sua perna.

"Calma, deve haver algum engano. A Deusdete não tem idade suficiente para o leilão e meu pai sabe como as meninas se apegaram à ela." Respondeu, notando o olhar triste da loira para a bezerra "E você também, sei o quanto gosta dela, meu bem."

"Eu chorei quando ela nasceu, Simone. Não vou deixar que seja leiloada! Mandem o Jair no lugar dela!"

"Não dá. Ele tem inimigos demais, ninguém iria querer." Disse descendo a gêmea mais velha das grades. "Vamos falar com o meu pai, estou certa de que se trata apenas de um erro na logística."

"Vai lá, leva as meninas de volta. Eu fico aqui com ela." A loira ofereceu, entregando a mãozinha de Beatriz para a mais velha, mas não sem antes deixar um beijinho na bochecha de cada uma.

"Soraya, ela não vai sumir daqui, fica tranquila."

"Eu sei, mas a pobrezinha já está sem a mãe. Não quero deixá-la sozinha."

Para não causar um estresse maior naquela noite, tanto na filhote de quatro patas, quanto nas de duas que não escondiam os bocejos e as carinhas de sono, a morena concordou. Segurou nas mãozinhas pequenas e caminhou de volta com elas para a mesa de seus pais em busca de explicações e alternativas para resolver mais uma confusão. Talvez pudesse conversar com o padre, ou com quem quer que fosse que houvesse arrematado Deusdete.

O último detalhe ela achou de bom tom guardar para si mesma por enquanto.

Os bezerros que ficavam naquela parte do recinto já haviam sido arrematados.

Poucos minutos após a saída da professora, Soraya ouviu os sons de passos saindo de dentro do piquete acompanhados da voz masculina.

"Bem que 'cê disse, hein? Essa aqui vai ser a maior vaca leiteira da região daqui um tempo, sinto que esse negócio foi dos bons!" Um rapaz alto e de cabelos escuros dizia para alguém que ela ainda não conseguia ver.

Ao se deparar com a mulher de baixa estatura encostada à grade ele se assustou, saltando para trás e tirando o chapéu branco que usava ao soltar um assobio.

"Opa! Desculpa aí os modos. É que é raro ver uma lindeza dessas e sem acompanhante por essas bandas." Disse, aproximando-se dela.

Soraya recuou um pouco, mas não desfez a pose. "Eu estou acompanhada, não que seja da sua conta."

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