XI

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Soraya fez o possível para evitar contato com Simone nos dias que se seguiram. Vez ou outra se trombavam pelos corredores e ela respirava fundo enquanto o perfume da morena tomava conta de seu ser. Depois do beijo e da meia conversa que tiveram no carro era como se a relação delas estivesse em suspensão. Como uma semente que precisa quebrar a dormência para germinar, mas não sabe como.

Sonhava acordada sempre que lembrava dos lábios doces tocando os seus. Sonhava acordada porque não conseguia dormir. Simone invadia seus pensamentos o dia todo e quando a noite caía a tortura se tornava pior ao se dar conta que estava a uma porta de distância dela. No coração e na realidade.

Inconscientemente passou a observar com mais atenção os gestos e gostos dela. Como mexia no cabelo quase o tempo todo, como mordia os lábios sempre que parecia ter algo a mais a dizer e como vivia bebendo o bendito chá, não importando a temperatura nem a hora do dia. Descobriu também que a morena era viciada em chocolate, o que Janja muitas vezes usava como suborno, e que gostava de sentar na varanda à tardezinha acompanhada de uma barra de Milka e algum exemplar de Fernando Pessoa.

Simone, por sua vez, evitava qualquer tipo de proximidade com a advogada. Seu plano dessa vez era basicamente ficar longe dela. Bem, tão longe quanto morar na mesma casa permitia. Todo o ocorrido na noite da chuva serviu para lembrá-la de que não sabia nada sobre ela e que a própria parecia fazer questão que as coisas permanecessem daquela maneira. O fato era que Soraya estava equivocada quando quis saber o porquê ela não se entregava. Já havia se rendido no instante em que seus lábios se encontraram. Mas se a loira não foi capaz de perceber, o que ela poderia fazer?

Apesar da resistência inicial, ela parecia estar se dando bem melhor na cidade. A professora podia notar pelos sorrisos largos que deixavam seus olhos pequenininhos e iluminavam a casa constantemente. Até fez amizade com alguns dos moradores, que mandavam um agrado para a advogada sempre que conseguiam uma decisão favorável. Ganhava desde bilhetinhos com agradecimentos singelos, até presentes mais sofisticados, como bolos e até uma galinha caipira que Janja cozinhou para almoçarem no dia anterior.

Até Ralf já estava caidinho por ela e Simone encontrou os dois cochilando no sofá outro dia desses. Era a coisa mais fofa do mundo, a loira ainda com as roupas de trabalho deitada encolhida no estofado com o cachorro apoiando a cabeça na curvinha de seu joelho. Queria muito ter tirado uma fotografia, mas achou que seria invasivo demais. Isso, e também não encontrou forças para sair de onde estava, encostada ao batente da porta, apreciando a cena.

Durante a semana, Soraya passou boa parte do tempo relembrando a conversa que teve com a professora. As palavras ecoavam dentro de sua cabeça. Estava cansada de fugir. Foi por isso que decidiu ligar para sua mãe e ver como as coisas estavam. Tamanha foi sua surpresa ao descobrir que Henrique havia telefonado para ela exigindo que colocasse juízo na cabeça da filha, distorcendo a realidade e omitindo as razões que a levaram a deixar sua casa. Marta Thronicke não sabia um terço da história e ainda assim estava do lado do genro querido. Enfurecida, a loira afirmou para a mãe que estava bem, mas que estava viajando a trabalho e que ela não precisava se preocupar, pois iria resolver as coisas de uma vez por todas.

Assim que desligou a chamada com a mãe ela respirou fundo massageando as têmporas e pegou o telefone mais uma vez para mandar Henrique para o quinto dos infernos.

"Soraya! Onde é que você se meteu? Por que não retorna minhas ligações? Volte pra casa, meu amor."

"Henrique, ouça bem o que eu vou lhe dizer: acabou! Eu já avisei que irei lhe enviar os termos de divórcio por e-mail e não quero que entre em contato comigo e muito menos com meus pais, está me entendendo?"

"Amor, por favor! Está fazendo uma tempestade num copo d'água, volta pra casa e a gente conversa melhor."

"Não me chame de amor! Você perdeu esse direito no momento que traiu nossos votos de casamento! Dessa vez é pra valer, Henrique!"

À Sua VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora