IX

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Simone bateu a porta do quarto e saiu enfurecida, se esquecendo completamente do quadro quebrado no corredor. Assim que seu pé fez contato com os estilhaços de vidro espalhados pelo chão ela foi incapaz de conter o grito e as lágrimas que escorreram por seu rosto.

Desceu mancando as escadas para pegar o kit de primeiros socorros, mas acabou se sentando no primeiro degrau para inspecionar o ferimento quando a dor sobressaiu a raiva. Vestia apenas a calça e o sutiã, sua camisa completamente arruinada alguns degraus acima era um lembrete do estrago que Soraya Thronicke causava por onde passava.

Ralf veio correndo ver o que acontecia, assustado com o grito da dona. O cachorro latia e olhava para ela, preocupado ao vê-la chorar.

"Está tudo bem, amigão. É só um machucadinho e já vai passar, tá?" Não era possível distinguir se falava sobre o corte ou sobre seu coração.

Respirando fundo ela afagou as orelhas do cachorro, tentando acalmar a ele e a si mesma. Levantou-se devagar e conseguiu chegar até a cozinha, com o animal em seu encalço como um anjinho da guarda. A morena se sentou com o kit de primeiros socorros em mãos e tentou retirar o pedaço de vidro com a pinça, mas o ângulo não estava ajudando, e quanto mais ela tentava, mais o fragmento adentrava sua derme. Seus olhos lacrimejavam embaçando sua visão, e suas mãos trêmulas devido a frustração de não conseguir se livrar logo daquilo dificultavam ainda mais o serviço. Soltou um suspiro pesado, desistindo momentaneamente de tentar e deixando as lágrimas caírem livremente. Como conseguiu ser tão tola? 

Que diabos tinha sido aquilo entre ela e a advogada? Soraya havia iniciado o beijo, era fato, mas ela correspondeu sem pensar duas vezes. Correspondeu ao melhor beijo de toda sua vida. Em todos os seus trinta e poucos anos, nunca havia se deixado levar daquela maneira. Era óbvio que entre elas existia uma tensão sexual que foi se alimentando a cada discussão sem pé nem cabeça que iniciavam, mas quando se rendeu à loira na cama foi como se um raio atingisse todo o seu corpo e um clarão tomasse conta de sua mente. Incrível, foi o termo que ela usou para descrever o ato e apesar de estar sob efeito de um orgasmo alucinante, não havia dito da boca para fora. Poderia ser várias coisas, menos leviana com suas palavras.

Ela mordeu os lábios e passou a língua sobre eles, uma mania tão sua, mas que naquele instante serviu como um gatilho, trazendo o gosto do beijo de Soraya de volta para sua boca. Arrepiou-se ao lembrar da textura de seus lábios e do cheiro de sua pele. Entretanto, por mais que seu corpo quisesse provar o doce néctar mais uma vez, aquilo não poderia se repetir. Soraya iria embora daqui um mês e para piorar, dissera com todas as letras que a detestava. 

"Acha que estou ficando maluca, Ralf?" Perguntou para o cachorro que a olhava deitado ao lado do balcão com a carinha em cima das patas.

"Foi minha primeira impressão, sim." Assustou-se quando Soraya respondeu da porta da cozinha e rapidamente virou o rosto para secar as lágrimas, mas a loira logo se aproximou, ficando de frente para ela.

"Eu ouvi você gritando. Está tudo bem?" Podia ver que não, pelo semblante da morena e até mesmo do cachorro que dessa vez não se escondeu dela, pelo contrário, continuou ali observando a cena, como se para se certificar que sua dona ficaria mesmo bem.

"Estou. Foi só um corte." Evitava a todo custo o contato visual.

"Posso dar uma olhada?"

"Não precisa se incomodar, eu me viro."

Soraya não deu ouvidos a ela e puxou uma cadeira se sentando em sua frente e puxando a perna da morena para seu colo. Ela se espantou, arregalando os olhos, mas não ofereceu resistência.

"Simone! Isso 'tá fundo! Acho até que vai precisar dar ponto." A advogada tinha uma expressão preocupada em seu rosto, que a professora estranhou.

"Não, tá tudo bem. Eu estava tentando tirar o vidro, mas não consegui, vou tent-"

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