À Sua Vista

V

Soraya encontrou-se no banco traseiro de uma viatura pela segunda vez naquele dia. Em toda a sua vida nunca havia sido sequer parada em uma blitz e agora, em menos de vinte e quatro horas possuía uma ficha criminal repleta de delitos que jamais imaginou cometer.

Enquanto seu corpo permanecia imóvel, sua cabeça não parava de trabalhar pensando em como explicaria aquilo tudo para seus pais. Ela poderia ter insistido em entrar em contato com eles para pedir o dinheiro, mas teria que contar sobre Henrique e só o fato de pensar no nome do marido já lhe embrulhava o estômago.

Soraya era filha única, seus pais Marta e Afonso Thronicke a criaram para ser espelho de suas conquistas pessoais e profissionais. A ela cabia apenas a perfeição "Não faça nada que prejudique o nome dessa família, Soraya." Era o que sua mãe dizia. Entre as coisas que eram consideradas "certas" e "erradas" por Marta, as aventuras e romances que duravam menos de um mês eram os erros, mas o casamento com Henrique era sua redenção perante a família. Ele era o genro perfeito. Genro.

O encontro entre eles surgiu no momento em que a loira desejava ser outra pessoa, de preferência uma que coubesse na caixinha de perfeição que sua mãe construiu para ela durante os anos.

Após uma série de relações sem sentido, com homens e com mulheres, a advogada cansou de procurar o amor e decidiu seguir os conselhos de sua mãe e se casar com o primeiro homem "de bem" que tivesse a mesma condição financeira que eles e estivesse disposto a construir uma família. Fidelidade e amor eram outros quinhentos.

Na ambição de agradar a mãe e ao mesmo tempo em que fugia de sua essência, ela se viu mudando-se para Campo Grande e convivendo com a família e os amigos de seu marido. Pelos ensinamentos que teve e o desejo de ser o suficiente foi que cortou suas próprias asas, escolhendo trocar a caixinha da perfeição, pela jaula de um casamento fadado ao fracasso.

Soraya e Henrique se davam bem no começo. Havia ali ao menos um laço de amizade e companheirismo. Os dois queriam ser pais e logo após o casamento iniciaram os planos, mas depois de várias tentativas falhas, o castelo de cartas perfeito que a loira construiu começou a ruir.

Na primeira traição ela quebrou a casa. Destruiu móveis, porta-retratos e roupas, mas voltou para ele. Na segunda traição ela encheu a cara e quase entrou em coma alcóolico, mas voltou para ele. Na terceira arrependeu-se por todas as vezes que a voz de sua mãe ecoou em sua cabeça e ela foi covarde demais optando por manter a imagem de casal perfeito nas outras duas e saiu porta afora. Escolheu a si mesma.

Não havia dito nada a ninguém sobre sua decisão. Pediu demissão da empresa por e-mail agradecendo a experiência e alegando problemas pessoais, deixando um chefe confuso e decepcionado para trás, mas que prontamente lhe prometeu uma carta de recomendação e as portas abertas, caso ela decidisse voltar. Ninguém sabia onde estava e nem para onde ia. Seus amigos e sua família naquele lugar eram os amigos e a família de Henrique e dele ela queria distância. Deixou apenas o bilhete pedindo o divórcio para ele, que provavelmente não entraria em contato tão cedo temendo a reação dos pais da, agora, futura ex-esposa.

Agora, voltando para sua realidade atual, ela constatou que tudo sempre pode piorar. Teria que viver naquela cidade durante um mês, com uma maluca desconhecida e trabalhando para ajudar os inimigos do INSS.

"Então, qual a fonte de renda das pessoas por aqui?" perguntou lembrando-se das pessoas que a observaram sair da delegacia, mais cedo.

"Nós temos uma fábrica de celulose, a maioria das pessoas está empregada lá ou são produtores rurais. Além dos comerciantes e funcionários públicos." Eduarda responde do banco de passageiro, enquanto Marcelo dirige a viatura numa lerdeza assombrosa para as ruas vazias do lugar. Se pudesse, a loira já teria pisado firme no acelerador, mas foi justamente isso que lhe colocou nessa bagunça, então, não estava em posição de julgar.