XXIV

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"A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar."

A trecho de Fernando Sabino foi a primeira coisa que veio à mente de Simone Tebet assim que bateu os olhos na cena que se passava na rua.

Esquisita. Era o que diria qualquer pessoa que pudesse ler seus pensamentos naquele momento. Entre tantas e tantas coisas que poderiam passar por sua cabeça a primeira foi o escrito de um autor que ela mal conhecia, inclusive nem lembrava onde havia lido tal frase. No entanto, o trecho talvez descrevesse perfeitamente a conjuntura em que se encontrava.

Aparentemente a teoria da advogada sobre o universo estava sendo testada mais uma vez.

Restava saber, se, com todas as interrupções e entraves que viriam a seguir, se ainda assim, fariam destes um novo caminho, como ditava a oração seguinte.

Depois de se perder por alguns segundos em meio aos seus devaneios, ela caiu em si e aproximou-se de Soraya que permanecia imóvel no meio da via.

"O que aconteceu? Você está bem?" Disse, parando em sua frente e checando seu rosto e o restante do corpo na procura de algum machucado e logo depois tomando-a em um abraço. Com Betinha no meio.

O homem, dando um passo para trás ao vê-la se aproximar da loira, cerrou os olhos analisando as duas.

Uma tosse foi ouvida e logo o abraço foi quebrado.

Sem dar chances para que a mais jovem respondesse a pergunta da professora, o policial se fez presente.

"A senhora vai querer prestar queixa, dona Simone? De novo?" Perguntou, com seu bloquinho de notas em mãos ao lado da mulher exageradamente arrumada e com as mesmas feições da advogada, porém de postura ainda mais esnobe que a dela quando chegou.

"Queixa? Como assim, queixa? O senhor nos perseguiu sem motivo algum e se trata apenas uma placa, podemos pagar e encerrar o assunto. O prejuízo maior foi o carro." A senhora disse, de queixo erguido.

"Seu Vicente, já conversamos sobre o "dona", é só Simone. Eu tenho idade para ser sua filha, pelo amor de Deus." A morena respondeu, mudando o foco para si na tentativa de acalmar as coisas.

E foi tudo o que conseguiu dizer antes de ser examinada da cabeça aos pés pela mais velha e o homem que a acompanhava.

"Pelo que a senhora me falou agora a pouco, é a mãe da doutora, né? Mai' ainda assim tenho que perguntar por conta da placa que foi pro brejo de novo. E a multa tá aqui. Se a Simone não for prestar queixa eu vou tomar meu rumo que não tenho saúde pra isso mais não." O mais velho disse, entregando o papel para a mãe de Soraya que nem fez questão de olhar o valor,  "Capaz que 'tão tudo em família, né? Agora 'cês podem se resolver aí."

Simone engoliu seco. Esperando por uma resposta da loira, que não veio, ela tomou a frente da situação afirmando que não era necessário abrir um boletim de ocorrência e que dali em diante os presentes se entenderiam.

"Certo, sendo assim então eu vou indo. Foi bom tratar com sua mãe, viu doutora? Próxima vez vê se aprende uns modos aí com ela!" O policial se despediu, saindo o mais rápido que as leis permitiam na viatura e dando graças a Deus por não ter que enfrentar toda aquela situação outra vez.

Fechando os olhos e respirando fundo, Soraya finalmente se manifestou quando o veículo desapareceu rua afora.

"O que você está fazendo aqui? O que vocês estão fazendo aqui? Como me acharam?" Indagou, evitando olhar para o ex-marido.

"Rastreamos o GPS do seu carro. Viemos lhe resgatar, filha."

"É amor, como veio parar aqui? E quem é essa moça? Preciso agradecê-la por ter mantido a minha esposa avoada segura."

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