XXI

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O que marca o início de um grande amor?

O primeiro olhar? O primeiro beijo? A primeira noite de prazer?

Soraya Thronicke buscava entender o exato momento em que se apaixonou por Simone. Não o instante em que reconheceu e admitiu para si mesma, mas o segundo exato, aquele em que tal como nos desenhos infantis uma lâmpada se acendeu e um estalo se fez em sua mente sinalizando que havia algo de diferente acontecendo.

Se apaixonar não era algo novo ou estranho para ela, porém se deixar levar pelo sentimento sim.

Os dias ao lado de Simone passavam rápido demais, como areia se esvaindo de seus dedos. Tinha medo de que o tempo fosse insuficiente para demonstrar seus sentimentos e provar o quanto queria estar com ela. Por outro lado, se ao lado dela as horas se transformavam em segundos, se estivessem distantes imaginava que essas mesmas horas poderiam se tornar décadas.

A reflexão sobre amor e tempo também lhe trouxe o sentimento de responsabilidade e proteção para com o coração da morena. Precisava lhe contar sobre sua família e o porquê havia fugido e deixado tudo para trás.

Talvez essa fosse a resposta para sua pergunta inicial.

Simone não a forçou a dizer nada.

Foi quando mirou os olhos escuros e enxergou a ternura de um coração aberto à sua vista, à sua espera. Foi ali que ela se apaixonou.

E agora mais uma realização se apossava de seu ser. Era necessário se entregar na mesma medida. Contar tudo.

É claro que ela havia demonstrado seu sentimento inúmeras vezes e em todas elas o sabor doce da morena sobressaía o amargo de suas inseguranças e medos. Porque ela também depositava todas as cartas na mesa.

"Você é a minha paixão."

Lembrou-se da declaração feita com afinco, sem vacilar a voz, sem desviar os olhos dos seus.

Simone era verdadeira sobre quem era e sobre o que sentia. Passava da hora de ela começar a agir da mesma maneira.

A ironia da história era que todo esse devaneio acontecia bem no meio do galinheiro em mais uma manhã em que ela se dispôs a alimentar as aves enquanto a professora preparava o café.

Loucura ou não, o local havia se transformado em uma espécie de refúgio para as vozes que muitas das vezes falavam alto demais em sua cabeça e ela necessitava de um espaço para se livrar do peso da ansiedade.

O galo a observava de relance, sorrateiramente ensaiando um ataque que jamais aconteceria em decorrência do cercado que o detinha.

As galinhas, ao contrário dele, a tratavam como uma velha conhecida que por muitas vezes acabava jogando milho demais enquanto estava distraída, fazendo a alegria das aves que possuíam cérebros pequenos demais para se preocuparem com qualquer outra coisa que não fosse encher o papo.

Tanto ela quanto os bichos permaneciam em um clima amigável e silencioso até demais, o que despertou a curiosidade de Simone.

Da janela da cozinha ela podia ver a loira em pé jogando os grãos de milho para as galinhas que ciscavam de um lado para o outro do quintal.

Algo não estava certo. Silêncio demais.

Em um local com crianças ou animais aquilo só podia ser sinal de que algo assustador estava para acontecer, se já não estivesse em curso.

Correndo os olhos pela extensão do terreno ela encontrou o que procurava. O réptil robusto e corpulento passeava discretamente por entre os pingos de ouro, com a língua para fora ele procurava por seu alimento favorito.

À Sua VistaOnde histórias criam vida. Descubra agora