XXVII

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"Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te perco."

Os versos dançavam soltos por seus pensamentos, misturando-se às lembranças de todos os momentos vividos ao lado dela.

Assim que pôs as mãos no volante, apertando firme o material para firmar-se à terra de alguma forma, Soraya tentou se acalmar com o exercício para ansiedade que há anos lhe acompanhava. No entanto, tudo o que sentia, tudo o que via era ela. Ainda que distantes, ainda que de olhos fechados.

Dizer adeus não era fácil, mas era uma escolha necessária. Precisava se reerguer e daria um passo de cada vez, sem atropelar as coisas, sem que outros pudessem interferir em suas decisões e lhe fizessem mudar de ideia, tomando caminhos que jamais desejou trilhar.

Todavia, mesmo focando em si mesma e tentando manter a chama da esperança acesa, as palavras de Simone lhe abençoavam ao mesmo tempo em que causavam dor.

Lembrou-se de certa vez, quando estavam conversando sobre os tempos de faculdade e a morena quis saber sobre suas aventuras pela Europa. Era incrível como fazia questão de prestar atenção em cada detalhe, de olhá-la nos olhos e de vibrar a cada coisinha mínima que descobria a seu respeito.

A memória a levou instantaneamente ao momento. Com braços e pernas entrelaçadas elas repousavam sobre a cama da professora e quando Soraya mencionou ter permanecido perdida, vagando por lugares e trombando com pessoas que não faziam ideia da inconstância em que vivia, com a voz mansa e o toque de mãos delicadas em seu rosto ela fez uma gracinha seguida de uma analogia:

"Cê sabe que isso me lembra uma frase famosa? É de um poeta espanhol que agora não me lembro o nome, mas que estou certa de que deve conhecer. Ele dizia: Caminhante não há caminho, o caminho se faz ao caminhar."

E com um beijo doce ela foi capaz de acalmar seu coração em mais uma noite de aconchego onde haviam compartilhado experiências, poemas e carinho.

A ironia era que a recordação havia funcionado exatamente como o exercício para os nervos.

Coisas que podia tocar, ouvir, sentir o cheiro e o gosto. Todas elas se resumiam à ela. Todas agora em uma memória que se fizesse um pouco de esforço a advogada poderia tocar com a ponta dos dedos enquanto as imagens passavam diante de seus olhos.

Com amor e com coragem, ela seguiu seu caminho. Cruzando as ruas e fazendo o trajeto inverso que lhe fizera chegar à cidade.

O caminho se faz ao caminhar.

"Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum." Disse a loira ao passar em frente à delegacia na metade da velocidade permitida.

Perambulava pelas ruas vagarosamente, tanto para evitar problemas, quanto na expectativa de que Simone entrasse em contato de alguma forma.

Passeou pelo centro, admirando as árvores da praça e sonhando em ver os Ipês que haviam plantado com as gêmeas crescerem e florescerem enquanto elas faziam piqueniques embaixo das sombras, brincando com Ralf e Betinha.

Afinal, mesmo não estando na mesma página, por enquanto, nada a impedia de fantasiar com os capítulos futuros daquela história que pertencia somente à elas. É claro que a frieza repentina da morena a fizera estremecer e temer o desenrolar dos nós, porém, como escreveu em sua carta, ela a conhecia. Sabia que mais cedo ou mais tarde, nem que fosse através de sinal de fumaça voltariam a se falar. Era como Ramez havia dito e confiando nas palavras de um dos responsáveis por trazer o amor de sua vida ao mundo, ela manteve a fé. Simone precisava de tempo.

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