oito

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ANA JÚLIA

Tá, alguém por favor pode me explicar o que tá rolando?

Eu nunca levei jeito com criança, nunca mesmo! Quando tinha quinze anos virei babá da filha da minha tia, a criança tinha três anos e me traumatizou completamente.

Hoje em dia eu tenho um pouco de medo dela, juro, nunca esqueci a vez que jogou doce de açúcar no meu cabelo. Foi traumático porque ficou grudado.

Fora as outras vezes que eu tentei lidar bem com crianças e falhei miseravelmente.

Tentei trabalhar em uma creche quando tinha dezenove anos, liguei o foda-se pras pessoas que diziam que eu não ia aguentar e fui assim mesmo.

Resultado: saí de lá com a perna quebrada porque eles me fizeram subir em cima da uma árvore pra pegar a porcaria da pipa que ficou presa lá e eu me estabaquei no chão.

Mas agora parece que uma criança tá gostando de mim e eu me sinto tão estranha por isso.

Será um sonho? Talvez.

Não levo jeito pra brincar com elas, não sei o nome de muitos desenhos e muito menos de personagens.

Termino de pentear o cabelo da Barbie e coloco junto com as outras.

A Giovanna tá fazendo comidinha fake na cozinha de brinquedo e enquanto isso o pai dela tá deitado na sua cama de princesa.

É estranho vê-lo assim, e engraçado também. Tem cara de bravo mas brinca de brinquedo.

Quando ele me olha, desvio o olhar e pego outra das dezenas de bonecas que ela tem.

Tá, confesso que quando era criança sonhava em ter brinquedos assim, mas além de não existir tão bonitos dessa forma, eu passava a maior parte do tempo brincando na rua com os meninos.

Jogava bola com o Gabriel, eu sempre era a goleira e por minha causa ele é um bom cobrador de pênalti. Confia.

— A comida está pronta— ela diz e afasta um pouco pra que eu veja o fogão cheio de panelas.

O que eu faço agora?

— Acho que deve estar uma delícia, hein— digo.

Ah, eu mando bem demais.

— Vou colocar comida pra você, tá bom?

— Tá bom.

Ótimo brincar de fazer comida de mentirinha, mas quando você cresce isso vira seu maior trauma. Mesma coisa que brincar de lavar louça.

Deixo a boneca de lado quando ela vem na minha direção com um prato vazio e um copo que também tá vazio.

— Arroz, feijão, carne com batata e salada— me entrega o pratinho.

Como eu queria que fosse uma comida de verdade, comeria na hora.

— Huum, muito obrigada!

— De nada, aqui está seu suco de laranja e o garfo pra você comer.

— Tá bom.

Ela pega outro pratinho, finge colocar comida e leva até o pai dela.

Paro pra observar o que ele vai fazer.

— Vamos ver se tá bom, hein?— pega o garfinho e finge pegar algo no prato, em seguida aproxima da boca e finge mastigar.

A gente tá certo, errado tá o psicólogo que nos liberou.

Quando ela me olha, imito o que ele faz.

— Tá muito bom, parabéns Gio— digo e ela dá um sorrisinho.

𝗣𝗢𝗗𝗘 𝗙𝗜𝗖𝗔𝗥•• 𝗚𝗲𝗿𝘀𝗼𝗻 𝗦𝗮𝗻𝘁𝗼𝘀Onde histórias criam vida. Descubra agora