Capítulo 9

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A dor de deixar a sua casa, mesmo sabendo que fazia tudo parte de um bem maior, dilacerava o coração de Irene. Ver o marido desesperado a ponto de quase colocar o plano dos dois por água abaixo, doeu nela, mais do que imaginou.

A ida até a pousada foi marcada por algumas lágrima que ela não conseguiu conter e que não passaram despercebidas por Ramiro.

— Oh patroa, num chora não, eu não sei o que é pior, ver a patroa chorando, ou ver o patrão de orelha caída lá no quarto.

Irene não respondeu, mas silenciosamente agradecia a Deus por que sabia que Ramiro cuidaria dela e do marido, principalmente do marido, sabia que podia confiar nele.

— Oh patroa, desculpa eu tá me metendo, mas a senhora tem que pensar melhor, num pode larga o patrão assim lá na fazenda sozinho não, eu num sei o que ele fez pra senhora, mas ele é da senhora entendeu?

— Ramiro, eu só preciso que você cuide dele pra mim...

— Eu prometi pra ele que vou cuidar da senhora patroa, e prometo que vou cuidar dele também. E isso seria bem mais fácil pra mim se vocês dois tivessem juntim na mesma casa.

— Eu sei que é difícil de entender, mas eu preciso sair daquela fazenda. Acredite Ramiro é pro bem do Antônio.

— Eu num acredito que ficar longe da senhora é o melhor pro patrão não, mas eu confio na senhora patroa.

A conversa dos dois foi interrompida pela chegada do carro na pousada. Ramiro subiu com as malas dela, e ela conversava com Nina na recepção, sobre sua estadia no lugar. Nina e Ramiro viam nela o rosto de uma mulher que sofria. Irene não escondia o quanto queria voltar pra casa. Pra sua casa.

Irene subiu as escadas e quando abria a porta do quarto, ouviu em suas costas a voz ácida da mulher que ela mais odiava na vida, Agatha a encarava com um sorriso largo, que escorria deboche e malícia.

— Olha só quem voltou para essa pousada de quinta categoria. — Irene a encarava com fúria, sabia que tinha que se controlar, mas era tão difícil. — Eu achei que voltar pra esse buraco de cidade ia ser divertido, mas eu confesso que ver o seu casamento ruir está sendo uma doce vitória.

— Essa é a Agatha que eu quero ver — Irene apontou o dedo para a Agatha e finalmente se viu de frente com a rival — A Agatha que eu sempre soube que existiu. Ácida. Interesseira. Uma verdadeira cobra que destruiu a vida do meu marido e do próprio filho.

— Eu acho tão ridículo quando você enche a boca pra falar que o Antônio é o seu marido, quando na verdade eu sou a única mulher que ele sempre amou. — Agatha foi brutal, Irene quase vacilou, mas por fora manteve a pose altiva. — Sabe que eu vou adorar ver a sua cara caindo no chão quando o Antônio cair na minha historinha de presa injustiçada.

— Pelo visto você decidiu mesmo parar de fingir que é uma boa pessoa né?

— Pra você eu não preciso fingir nada. Mesmo que você conte toda essa conversa pro Antônio, eu sei que no fim das contas, é em mim que ele vai acreditar. Ele sempre acreditou em tudo o que eu disse durante todo o nosso relacionamento. Ele sempre comeu direitinho na minha mão, parecia um cachorrinho balançando o rabinho atrás de mim, carente.

— O Antônio que você conheceu não existe mais. Eu fiz questão de desintoxicar o MEU marido durante esses 30 anos que você viveu longe de Nova Primavera.

— Ah é? — Agatha riu cínica — E por que você tá vindo morar, de novo, aqui na pousada? Vai me dizer que veio passar férias? — Agatha gargalhava e Irene se continha para não estragar seus planos logo no primeiro dia.

— O que eu faço da minha vida não é da sua conta, os meus problemas não são da sua conta.

— Bom, realmente não são, mas agora você facilitou muito mais a minha vida e eu serei eternamente grata. — Irene engoliu em seco e apertou os punhos, estava por um fio — Com você longe da fazenda minha vida fica muito mais fácil. Quem sabe que não vá até lá pra visitar o Antônio, sabe como é homem quando fica carente é um perigo/

A fala de Agatha foi interrompida pelo tapa na cara que Irene lhe deu. A marca da aliança feriu o rosto da criminosa que ficou chocada, não achava que Irene seria capaz de baixar o nível durante a discussão.

— Sua maldita! Pelo visto a miserável da Angelina não te avisou do que eu sou capaz — Agatha levou a mão ao rosto e encarou novamente Irene com ódio, com sua verdadeira faceta. Irene se aproximou e segurou o rosto da rival pela mandíbula — Eu vou repetir porque eu acho que você não entendeu da primeira vez: FICA LONGE DO MEU ANTÔNIO! Ou eu passo por cima de você como um carro desgovernado ouviu bem? E eu espero que a partir de agora, quando você olhar para o espelho e ver essa marca no seu rosto você se lembre que foi a MINHA aliança de casamento que te arrancou sangue, entendeu bem QUERIDA?! — concluiu enquanto soltava a rival com força, a fazendo cambalear e bater as costas em um dos móveis do corredor.

— Se você acha que esse tapa vai me fazer mudar de ideia, e rapar toda a fortuna do Antônio você se engana redondamente. Eu quero tudo dele, todo o dinheiro que me cabe e todo o resto. Sabe como é né? Eu já fingi uma vez em frente ao júri, mentir uma segunda não vai ser difícil.

— Acontece que você se engana quando acha que meu marido vai para os tribunais contra você sua maldita. Seu teatrinho não funcionou lá no Rio de Janeiro, a prova disso é que você ficou presa por mais de 20 anos, e não vai funcionar aqui em Nova Primavera, sabe por que? — Irene não deu tempo dela contestar — Porque aqui em Nova Primavera nós somos a lei. Eu e o meu marido estamos acima de qualquer um dessa cidade.

Agatha falseou, seus olhos enviavam fagulhas de fúria contra a superioridade que Irene demonstrava e pelas notícias que tinha através de Angelina, o casal jamais foi pego por nada que tenha feito, ela estava certa, eles eram as leis daquela cidade.

— Então, QUERIDA, se você resolveu voltar do mundo dos mortos achando que teria algum direito sobre a sucessão e a fortuna do Antônio, ESQUEÇA. Os La Selva não vão cair diante de você.

— Eu também sou uma La Selva!

— Ah mas não é mesmo! — Irene riu, debochada — Ninguém nessa cidade confia em você. Ou você acha mesmo que a palavra de uma falsa morta vale alguma coisa por aqui? — o silêncio de Agatha foi a resposta que Irene queria — A única pessoa que acredita em você é o carente do seu filho, que está recebendo as suas migalhas de carinho e que cresceu achando que matou a mãe. Então eu espero que de uma vez por todas você entenda, a ÚNICA senhora La Selva que existe sou eu! E não há nada que você possa fazer para mudar isso.

— Isso não vai ficar assim, eu vou acabar com você e vou ver essa sua superioridade embaixo dos meu sapatos, e o melhor de tudo, com o Antônio ao meu lado, vendo você rastejar pelo “amor” dele.

— Se é guerra que você quer, é guerra que você terá, eu só espero que você esteja preparada, por que eu não vou descansar enquanto a sua certidão de óbito não for verdadeira, de uma vez por todas, QUERIDA.

Irene viu a rival caminhar em direção ao quarto que habitava com a mão no rosto, que ardia com o tapa que acabará de levar e a confiança abalada.

Entrou no quarto que seria o seu novo refúgio durante essa tormenta que enfrentavam e só queria fazer uma coisa, ouvir a voz do marido. Discou o número apressada e soltou o ar que prendia enquanto ouvia e aguardava que ele a atendesse.

— Alô, amor?

— Irene, aconteceu alguma coisa? Você tá bem?

— Eu tô bem sim, só precisava ouvir a sua voz antes de dormir.

— Você chorou? Eu tô indo agora pra pousada

— Não Antônio, eu não chorei, eu só queria te ouvir, só isso

— Você não devia ter saído da nossa casa, isso não tá certo!

— Vai ser por pouco tempo, eu espero...

— Por mim isso acabava agora, você voltava pra mim e a gente pensava em outro jeito de resolver os nossos problemas!

— Não tem outro jeito, você sabe disso

— Eu tenho o direito de querer a minha mulher do meu lado, isso é o certo Irene, você aqui dentro de casa, comigo!

— Você quer que eu volte porque é o certo, ou porque você me ama e não consegue dormir sem mim? — Irene tentou gracejar para fingir que aguentaria a saudade que já sentia de casa, do marido.

— Você sabe muito bem qual é a resposta. — Antônio não precisou dizer mais nada, ficaram naquele silêncio confortável, como se fosse possível tranquilizar o coração de ambos. — Eu amo você Irene, e eu não sei quanto tempo eu vou aguentar sem você do meu lado.

— Eu já te prometi que será por pouco tempo, eu vou voltar pra nossa casa e dessa vez, sem esse fantasma que está assombrando as nossas vidas. — Ouviu o resmungo silencioso de Antônio e concluiu — Amo você Antônio. Dorme bem... Sonha comigo.

— Boa noite Irene, até amanhã morena.

Ouviram a respiração um do outro até terem a coragem de desligar a ligação, essa não seria uma noite fácil para nenhum deles. Antônio deitou-se e se agarrou ao travesseiro da esposa por que tinha o cheiro dela. E Irene passou o creme que Antônio gostava só pra ter a sensação de proximidade e de pertencimento. Ambos sabiam que teriam dias difíceis pela frente.

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