10. Não é Só Isso

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POV Gizelly

Sei que muitos pensam que eu, uma mulher de quase trinta e um anos, já teria que estar casada e com filhos.

Para alguns, seguir um roteiro de filme romântico é fácil, para outros é um objetivo e, para mim, não faz sentido nenhum.

Eu sempre imagino a vida como um rio... No começo, você vê só o que os olhos compreendem, o rio é raso ou não. Daí você é jogado nas águas assim que nasce e só vê aquilo que estava logo ali, diante dos seus olhos pequenos e doces. Com o tempo, alguns escolhem deixar a correnteza levar sem rumo. Daí você pode chegar na outra margem. Porém, outros vão para as profundezas e, dali, só passa ver o escuro.

Não julgo quem quis deixar a correnteza levar, nem muito menos quem vive com a sua escuridão. Eu preferi aprender a nadar!

É compreensível que as pessoas pensem que eu devo ter traumas porque os meus pais morreram tragicamente quando eu ainda tinha seis anos. E estão, de certa forma, corretos.

Mas não é só isso.

Depois que meus pais se foram, eu passei a ser criada por estranhos e empregados que entravam e saíam da mansão Bicalho.

O meu primeiro tutor, o falecido tio Mário, mal se encontrava comigo, mesmo morando na mesma casa que eu.

As babás não eram fixas. Quando eu começava a me apegar a alguma, o meu tio simplesmente a despedia, sem desculpas ou qualquer razão.

Não quero nem entrar em muitos detalhes sobre a minha relação com o outro tutor, o meu primo Talles.

Quando tio Márcio morreu, Talles, seu único filho, ficou em seu lugar, gastando dinheiro da minha herança. Eu só tinha pouco mais de onze anos na época.

 No começo, eu não me importava com o meu primo. Ele levava mulheres e mais mulheres para a mansão. Fazia da casa um bordel e eu pouco me importava com isso.

Nada, na verdade, me importava.

Quando eu completei dezessete anos, o meu primo começou com piadas do tipo: "Você está ficando gostosa", "Tá com os peitos enormes, está transando com quem?"...

Não vou relatar tudo o que ele dizia para mim. Eu não quero relembrar o nojo que sentia.

O problema se agravou quando ele começou a forçar a porta do meu quarto quase todas as noites. Ele chegava bêbado de alguma farra proporcionada pelo meu dinheiro, e tinha o costume de querer "conversar comigo", iniciando sempre com: "abre essa porta, gatinha".

Eu jamais permiti que ele conseguisse o que queria. Eu voltava do colégio e me trancava no meu quarto, com meus livros, em meu mundo. E foi lá que planejei, de forma meticulosa, como eu me livraria do meu primo.

No fim, eu me livrei daquele encosto. Foi em um dia de domingo, dia dezessete de dezembro, que joguei todas as tralhas daquele verme pela janela. Depois que terminei de lançar a última peça, eu gritei a minha liberdade.

Eu já era dona de uma empresa próspera, não precisava ter por perto um ser humano tão desprezível. E, desde aquele dia, eu não tenho mais notícias de Talles...

Eu entendo quem busca sentido em tudo que acontece em suas vidas. Eu não!

Surtaria se pensasse que existe algum sentido lógico no fato de Deus, deuses ou o universo simplesmente quererem que uma criança cresça sem carinho e atenção dos seus pais e, depois, ainda permitem que pessoas tão fudidas fiquem perto dela.

Desde muito cedo compreendi que eu preciso me bastar e que ficar pensando sobre o que aconteceu era só perder tempo.

Aos vinte e quatro anos, eu já estava na presidência da Bicalhos. Fagundes me ajudou a ser eleita para o cargo que sempre foi meu por direito.

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