— Oh Deus! — exclama a enfermeira ao se aproximar de onde estou sentado.
— Não é nada de mais. É só uns ralados... — retruco, cabisbaixo.
— Sei, uns ralados, um braço quebrado e este corte feio aí na sobrancelha, hein?Balanço os ombros, indiferente, afinal, já estive pior, mas fico tenso quando ela começa a passar algum remédio no meu rosto e, putz, arde pra caramba.
Mesmo sem me olhar no espelho, sei que devo estar horrível. Meu olho direito quase não abre de tão inchado e tenho certeza de que amanhã ficarão todos me encarando na escola, mas nem ligo. A maioria acredita que vivo me metendo em brigas e, por medo, não se aproximam. Eu não os corrijo, acho bom que pensem desta forma. Assim consigo ficar em paz.
— Caiu de bicicleta de novo, Yibo? — questiona, me encarando, ao mesmo tempo em que segue fazendo o curativo.Olho para meus pés. Eu odeio mentir, mas sei que não posso dizer a verdade. Seria pior.
Falar a verdade, significaria mais surras, e mamãe realmente acredita que ele irá mudar. Eu não.
Então, apenas fico em silêncio.
Neste instante, ela entra na enfermaria, e mesmo com apenas um olho bom, sei que andou chorando.— Oh, meu querido. Desculpe a demora, a mãe estava terminando de preencher a sua ficha.
— Está doendo muito? Logo vamos para casa e vou assar um bolo para você.Eu não quero bolo. Eu só queria que tudo isto parasse. Eu queria...
queria que ele fosse embora e nunca mais voltasse.
Mas ele sempre volta.— Sra. Wang, talvez seja o caso de Yibo encontrar outro esporte menos perigoso — sinaliza a enfermeira chamada Leona.
— A senhora já pensou a respeito?Eu gosto dela. Ela sempre cuida bem de mim.
— Sim, sim. Você tem razão, querida. Ouviu a moça, Yibo?
— Sim, mãe, vou tomar mais cuidado — afirmo no automático, olhando o cartaz que fala sobre algum tipo de doença e que está colado no mural de avisos.— Já virão colocar o gesso em você, rapazinho — diz Leona, afagando meu cabelo.
Droga!!
De tudo, o que mais me incomoda é o gesso. Coça, atrapalha para fazer tudo, principalmente, usar o computador, que é onde eu mais fico, depois de fazer minhas tarefas.— Espero não te ver tão cedo — complementa Leona, me olhando, como se enxergasse através de mim.
Eu gostaria de poder responder que não nos veremos, mas eu estaria mentindo e, como disse, eu odeio isso.
Por um momento, sinto os olhos arderem e uma grande pressão no peito.
Respiro fundo e solto o ar devagar, como vi um cara fazendo na televisão.
Não vou chorar, ele não vai ter isso de mim.
— Você vai querer bolo de chocolate ou maçã, Yibo? — pergunta minha mãe, tentando sorrir.Ela fica bonita quando sorri, pena que faz isso tão pouco.
— Chocolate, mãe — respondo para deixá-la feliz.
Se o dia de hoje tem algo de bom, é que mamãe não se machucou.
Geralmente, acabamos os dois no hospital, então da forma como vejo, foi um ótimo dia.Faz quinze dias que não o vejo. Quinze dias de paz.
Mamãe tem tentado me animar, fala que ele se arrependeu, que ligou perguntando de mim.
Ele sempre diz que nos ama, mas se isto é amor, eu nunca quero amar.
Nunca.Meu pai é caminhoneiro e, por isso, fica semanas longe de casa, quando volta tudo é festa, está feliz por estar de volta, ou pelo menos, eu tento acreditar nisso.
Mamãe sempre prepara sua comida preferida e o espera com um sorriso no rosto. Nós tentamos deixar tudo do jeito que ele gosta. Geralmente funciona, eles conversam animadamente e as risadas podem ser ouvidas do meu quarto.
Seria tudo perfeito, se ele ficasse apenas em casa, mas não, poucas horas depois de voltar, sempre dá alguma desculpa para sair, ver algum amigo, resolver algum negócio, e quando volta... Não é mais ele, é um monstro no lugar.
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Destemido
FanfictionUm agente,com um passado sombrio.. Um jornalista que ao tentar achar seu caminho se torna alvo de algo perigoso...... Atenção: Contém cenas de violência doméstica, abuso, sexo explícito, violência, estupro e uso corriqueiro de palavrões. Algumas pod...