Xiao Zhan
Saio do jornal mais cedo hoje, rumo à Polícia Federal.
Objetivo: renovar meu passaporte.
Mesmo ele tendo vencido sem que eu tenha usado a muito tempo, quero deixá-lo válido.
Meu pai uma vez disse, logo que eu entrei na faculdade: sempre mantenha seu passaporte em dia, nunca se sabe quando terá que viajar atrás de uma matéria.
Isso ainda não aconteceu comigo, mas o conselho segue válido, assim, o metódico em mim já pagou as taxas e fez o agendamento.
Felizmente, não demora muito lá e antes das dezoito, já estou livre.
Sem condições de eu ir para a boate, todo suado e descabelado, assim rumo para casa, para um banho e trocar de roupa.
• • • ◕◕════♣♣════◕◕ • •*
Chego ao endereço, pouco depois das vinte horas, pois seria muito estranho ser o primeiro a chegar.
Minha ideia é conversar com o bartender e o segurança, na esperança de que eles se recordem delas.
O motorista do Uber para próximo do portão principal e agradeço antes de sair do veículo.
Trata-se de um casarão colonial, extremamente conservado.
Grande é pouco para descrevê-lo, já que ocupa quase um quarteirão.
A área externa é cercada por coqueiros, que agora à noite estão iluminados, deixando a fachada ainda mais bonita.
Eu nunca falaria que isso é uma boate, parece mais um museu, mas acredito que a intenção seja essa mesma: discrição.
Caminho até o portão principal, estranhando que não há uma fila, nem nada.
Colado à porta de madeira maciça, um homem alto, careca e musculoso, todo de preto, me observa, com cara de poucos amigos.
— Oi, boa noite!
— Nome? — pergunta à queima roupa, me ignorando e olhando para o tablet em sua mão.
— Xiao Zhan — digo. — Mas eu não tenho reserva. Já está cheio?
— Só sócios são aceitos, sinto muito.
Tomado pela surpresa, demoro alguns segundos para reagir.
Mas que grande merda!
Podia constar isso no site, teria poupado meu tempo.
— Oh, eu não sabia — replico e é a mais pura verdade.
Mordo os lábios, pensando se devo tentar a sorte, vendo se o mal-humorado conhece as garotas.
Ah, foda-se.
Pego meu próprio tablet da bolsa e abro a página do relatório policial onde consta a foto da primeira vítima.
— Talvez, você possa me ajudar — começo, pensando em como abordá-lo.
— Sei que você deve ver muitas pessoas, mas alguma chance de ter visto essa garota aqui? — indago e viro o tablet na sua direção.
Ele mal olha para a foto, tampouco se abala e, olha, devo dizer que não é uma foto bonita, não.
— Por favor, estou ajudando a polícia a descobrir o que houve com essas moças — complemento, alternando a foto.
— Nunca vi.
O filha da puta nem olhou.
— Tem certeza? Quer olhar com mais calma?
Uma senhora passa ao nosso lado e então entra no casarão, mas antes olha na minha direção.
Certeza de que é alguma funcionária, curiosa com a minha interação e do segurança.
— Com certeza, como disse, nunca vi essas garotas — retruca, aumentando o tom de voz.
— Ok, vou deixar meu cartão com você e, por acaso, se você lembrar de algo, me liga.
Por um momento, achei que ele sequer fosse pegá-lo, mas aceita.
— Boa noite — digo, derrotado.
Gesticula com a cabeça e me dá as costas.
Começo a caminhar em direção à calçada, já abrindo o aplicativo do Uber, quando dou uma última olhada para o casarão.
Meus olhos observam o exato momento que o troglodita joga o cartão que acabei de entregar no lixo.
༶•┈┈⛧┈♛ ♛┈⛧┈┈•༶
Acordo tarde no sábado.
Depois do fiasco da noite passada, a frustração bateu forte e o sono demorou para vir.
Reli toda papelada pela enésima vez, pensando o que eu podia fazer a respeito, mas a única pista é que as vítimas eram ativas no mundo BDSM.
Será que elas frequentavam outros clubes?
É uma possibilidade, certo?
Estou a ponto de ligar para YuBin e ver se ele sabe de mais algum lugar assim, quando meu celular toca.
Número desconhecido.
Atendo, já esperando que seja engano, pois fora YuBin e algumas ligações da minha amiga que mora em São Paulo, não tenho muito contato com mais ninguém.
Desde que meus pais faleceram, tem sido apenas eu. Até fui a uma festa de aniversário de um conhecido, um ano após o falecimento deles, mas era como se todos os olhares estivessem em mim; a pena, seguida dos comentários que buscavam confortar, mas que para mim, só fazia a ferida abrir e sangrar.
Eu saía destas ocasiões arrasado, então simplesmente as evito.
— Alô?
— Xiao Zhan?
— Sim, com quem eu falo?
— Meu nome é Celeste, eu trabalho no Sanctuary — diz e meu coração falta sair pela boca.
— Te vi ontem conversando com o Ed e peguei seu cartão.
— Ok...
A mulher pegou meu cartão no lixo. Deve ser importante.
— Você estava perguntando sobre umas garotas, certo? Você é policial?
— Policial, eu? Não, imagina. Sou um jornalista — revelo, tranquilizando-a. Ainda assim, ela parece tensa.
— Sim, eu estava perguntando sobre elas. Você as conheceu? Consegue me ajudar?
— Me encontre no Parque do Taquaral, hoje, às dezessete horas, e podemos falar a respeito. Acho que posso te ajudar.
Meu coração bate acelerado no peito. Eu não conheço esta mulher, mas ela parece disposta a ajudar e, realmente, vi uma senhora passando por mim, ontem.
Eu não seria louco de marcar um encontro num local ermo, mas o parque é público e movimentado, assim acho que não há perigo.
Preciso descobrir o que Celeste sabe.
Talvez seja a pista que precisamos sobre os assassinatos.
— Combinado, Celeste. Te encontro lá.
— Até lá. — Desliga.
Penso em ligar para YuBin e compartilhar as novidades, mas lembro que ele disse que iria para São Paulo visitar os pais do namorado e não quero atrapalhar.
Vou falar com Celeste e depois conto para ele.
Vai dar tudo certo!
No horário marcado, estou no parque municipal, exatamente no local que combinamos, o “Portão 03”.
Passados uns dez minutos, já começo a duvidar que ela vá aparecer, quando então eu vejo uma senhora caminhando na minha direção.
Ela anda olhando a todo momento para os lados, como se temesse estar sendo seguida.
Jesus, Xiao Zhan. Você está vendo muita série policial.
— Celeste? — pergunto, quando ela se aproxima mais de mim.
Gesticula que sim, e aceita a mão que eu estendo para cumprimentá-la.
—Obrigado por ter me ligado — começo, nervoso também.
Sentamos num daqueles bancos de concreto, na sombra de uma árvore e então começo a questioná-la.
— Você trabalha na boate, Celeste?
— Sim, já faz dois anos — responde, visivelmente tensa. — Trabalho na cozinha, desde que cheguei no país. Sou da Venezuela — explica.
Puxo meu tablet da bolsa e mostro as fotos para ela.
— Você as conheceu? Lembra-se de as ter visto lá?
Celeste olha para fotos e posso ver surpresa e medo em seu olhar.
— Eu...
— O que, Celeste?
— Ontem, eu só vi de relance a foto, quando passei ao lado do Ed, por isso, resolvi te ligar — diz, apoiando o rosto nas mãos. — Fiquei na dúvida se eram elas.
—Você as conheceu? Pela sua reação, ela conheceu, mas preciso confirmar.
— Sim — diz, me olhando com os olhos marejados. — Eu fico a maior parte do tempo na cozinha, é raro eu ir até o salão principal, ou para as demais salas. Só se algum dos mestres pede algo da cozinha.
— As garotas não eram daqui.
— Como assim?
— Elas não falavam português, mas eram muito simpáticas e sorridentes. Acho que eram da Alemanha. Sim, foi isso que Mistress Tanya disse quando as levou para conhecer a cozinha, logo que chegaram aqui no Brasil, foi assim que as conheci — complementa, com um sorriso triste.
Tento lembrar o significado de mistress. Lembro-me de ter anotado algo a respeito. Ah sim, é quando uma mulher que exerce o papel de dominante nas cenas do BDSM.
— Você sabe o nome delas, Celeste?
Olha para os lados, assustada, mas gesticula que sim.
— Você pode me contar.
— A loira chamava Heide e a morena, Raika. Eu as vi, duas vezes na boate, depois de elas irem à cozinha. Elas estavam de férias, parece.
— Ok.
— Você sabe quem pode as ter machucado? Ou com quem elas estavam? Qualquer informação pode nos ajudar.
— La Muerte.
Como?
— Um dia, eu tive que ir buscar óleo no estoque. Então eu ouvi, eles conversando e falando algo sobre elas. Eu ouvi o nome, sabe. Algo sobre uma encomenda. Depois deste dia, elas nunca mais voltaram.
— Ok, você ouviu quem falando?
— La Muerte. A Morte — murmura, como se tivesse medo de ser ouvida.
— É o apelido de alguém?
— Sim, o chamam assim. Eles não me viram no estoque, mas eu nunca esqueceria seu rosto.
Faz o sinal da cruz.
— Ele é o mal.
— Ok, você sabe me dizer, mais alguma coisa sobre este tal de Morte? Como ele é? É um dos sócios? Meu amigo é policial e poderá nos ajudar.
Celeste arregala os olhos.
— Não... nada de polícia — solta, desesperada.
— Eu tenho que avisá-lo, Celeste, eles têm recursos para descobrir quem são os associados, e tentar saber mais sobre esta pessoa.
— Você não entende, menino.
— O que Celeste?
— La Muerte. Ele é da polícia — diz, se levantando do banco e ajeitando a bolsa no ombro.
Puta que pariu.
Ainda em choque, agradeço a Celeste por todas as informações e garanto que seu nome não será mencionado, a mulher realmente estava muito assustada.
“A Morte.”
Um arrepio percorre meu corpo e balanço a cabeça, tentando assimilar toda a conversa com ela.
Espero que YuBin já esteja de volta, pois precisamos conversar e este é o tipo de assunto que não dá para falar por telefone.
(....)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Destemido
FanfictionUm agente,com um passado sombrio.. Um jornalista que ao tentar achar seu caminho se torna alvo de algo perigoso...... Atenção: Contém cenas de violência doméstica, abuso, sexo explícito, violência, estupro e uso corriqueiro de palavrões. Algumas pod...