DOIS

426 76 5
                                    

    Xiao Zhan

10 meses atrás

— Você vai com a gente, Zhan? Zhan??
— Oi, Lia, desculpe, estou tão concentrado aqui, que nem ouvi você me chamando — digo num sobressalto.

— O pessoal está querendo ir naquele barzinho no centro , o que acha?

Num dia normal, eu até faria um esforço e iria. Não curto muito este tipo de ambiente. É muito barulhento. Prefiro ficar no meu canto, vendo séries de escândalos, conspirações na política ou documentários sobre investigações criminais. O canal cento e vinte é meu preferido, mas ultimamente, quanto mais assisto, mais a sensação de fracasso atinge meu peito.

Além disso, hoje não é um dia normal. Faz exatamente cinco anos.
Cinco anos que meu mundo desabou.
Parece que foi ontem...
Desde criança, eu soube que queria seguir a carreira dele.
Ser um jornalista investigativo.
Meu pai foi um grande exemplo, como repórter em um dos maiores jornais da China , era responsável por trazer à tona grandes escândalos,
principalmente, envolvendo políticos.
Lembro que ele viajava bastante e quando voltava para casa, ficava muito tempo enfiado em seu escritório, mas ainda assim, sempre foi carinhoso e presente.

Eu queria tanto deixá-lo orgulhoso, ralei de estudar para entrar na faculdade  e quando consegui, meu Deus... gritei, comemorando.
Meu pai ficou tão feliz e mesmo desejando que eu permanecesse em Chongqing, onde eu teria o apoio da família, suportou minha decisão de mudar para Luoyang, cidade distante quase trezentos quilômetros, e ainda me ajudava com o aluguel, já que o  auxílio que eu recebia mal dava para comprar comida e pagar as despesas do apê.

No início foi difícil...
Era tão bom estar em casa. Ter minha mãe cuidando de tudo, sem preocupações, mas a vida adulta chega.
Meus pais me visitavam com frequência. A cada quinze dias, lá estavam eles, para almoçar e passar o dia conversando.
Era algo religioso. Meu pai, como eu, era extremamente metódico.
Quando deu onze e trinta e nada deles, estranhei, mas continuei colocando as coisas no seu devido lugar, então meu celular tocou.
A ligação.
Aquela que eu nunca vou esquecer na vida.
Um policial rodoviário informando que havia ocorrido um acidente, na pista expressa , próximo da cidade de Luoyang; e que eu deveria me dirigir ao hospital — que os feridos estavam sendo levados para lá.

Desesperado, liguei para YuBin, meu amigo da faculdade, e ele me levou até lá.
Nada te prepara para receber este tipo de notícia. Nada!
Eles chegaram a ser socorridos e levados ao hospital, mas eram tantas as lesões, que ambos faleceram.
Um terrível acidente envolvendo um caminhão que perdeu o controle
ao ter o pneu furado e invadiu a pista contrária, batendo de frente com o carro deles.
Uma fatalidade, de acordo com a polícia.
Num piscar de olhos, eu perdi tudo.
Eu estava sozinho!
Entra e sai ano e a dor ainda está aqui, presente.
Dizem que com o tempo melhora...
Para mim, o tempo traz certa aceitação. Você sabe que nunca mais vai ver a pessoa, nunca mais vai ouvir a voz dela, o tempero gostoso da comida...

Mas as lembranças, elas surgem num piscar de olhos, a qualquer hora do dia e da noite.
Quando menos se espera, lá estão elas, te fazendo sentir...
E, poxa, eu sinto tanto a falta deles, tanto...
Mas eu sei que eles estão olhando por mim lá de cima. Eu acredito nisso.

Depois de um tempo eu e YuBin viemos para o Brasil para conhecer e nos apaixonamos pelo país,depois de devidamente naturalizados retomamos a faculdade de jornalismo e recomeçamos a nossa vida aqui .

Balanço a cabeça, voltando minha atenção para Lia que ainda espera uma resposta.
— Hoje vou passar — retruco com um meio-sorriso. — Preciso terminar umas coisas aqui e depois vou direto para casa.

DestemidoOnde histórias criam vida. Descubra agora