Primeira guerra mundial. Em uma trincheira no norte da França.
♣♥♣
- Coragem Heinz. São pouco mais de 200 metros até os franceses.
Sentia-me estranho. Não era medo, nunca o tivera. Porém meu peito estava pesado, tenso.
Mesmo em violentos combates corpo a corpo, com a adrenalina no máximo, nunca sentira essa pressão.
Olhei para os lados. À esquerda, meu incansável amigo Frederick. Sempre com um sorriso, e o vasto bigode em pontas enroladas para cima.
Mais ao longe, Hans o sanitarista, com seus óculos de grossas lentes, pronto para socorrer os feridos. Ajudava saber que ele estaria por perto.
Á direita, rostos desconhecidos. Substitutos com pouco treinamento. "Bucha de canhão", destinados à morte.
Um suboficial passou gritando por toda a linha. Faltava pouco para o assalto.
Frederick sempre alertava aos novatos. Ele tinha paciência para isso. Eu não:
- O maior perigo não são os primeiros cento e cinquenta metros, "a terra de ninguém". Mas precisamos estar atentos. Tiros de canhões são constantes. O problema são as linhas de arame farpado nos últimos 50 metros. É lá, na "fronteira final" que os sonhos morrem.
Alguns dos novatos choravam quando ouviam isso. Muitos cobriam o rosto com as mãos. Quase todos deixariam lá os seus sonhos.
- Mantenham sempre a cabeça baixa e de forma alguma queiram transformar-se em heróis. Lembrem-se; Os franceses são bons com os rifles.
Sempre os mesmos sinais de concordância com a cabeça. Local mais visado pelos atiradores.
- E o mais importante: O alicate. Não o percam em hipótese nenhuma. Ele é o instrumento que abrirá o caminho pela "fronteira final".
Apitos foram ouvidos. Chegara a hora. Um calafrio percorreu meu corpo. Frederick acariciava o bigode.
Um longo silvo foi o sinal. Escalamos a trincheira em direção a "terra de ninguém", gritando, como feras. Os canhões assolavam o terreno à frente. Corpos caiam. Pulei em uma cratera, atrás de Frederick, seguido de outros.
- Tudo bem com você Heinz?
Fiz um sinal afirmativo com a cabeça. Levantamo-nos e corremos. Já podíamos ver a linha farpeada. Era mais alta que o esperado.
Chegamos juntos à rede de arames. Começamos a cortá-los, frenéticos. Tiros espocavam em nossa volta.
Em meio ao barulho, Frederick, já com mais de meio corpo enfiado na fenda gritou:
- A amarração está diferente. Temos que cortar esses três verticais trançados em cima.
Afastei as pontas que impediam o acesso aos nós, sem me preocupar com os arranhões e tiros. Um novato, ao meu lado, gemeu. Fora atingido.
Por um instante olhei para os lados. A quantidade de mortos era assustadora.
Com força no alicate, consegui romper a amarração, abrindo uma parte da linha. Frederick conseguira avançar mais, cortando a rede inferior. Estávamos com sorte.
Eu forçava o próximo conjunto de nós trançados quando o maldito som da metralha foi ouvido.
Senti vários coices em meu corpo, caindo sobre o arame. Os novatos que vinham atrás caiam como pinos de boliche.
Da mesma forma que começara abrupta, a metralha parou.
Tentei desvencilhar-me do arame. Impossível. Meu corpo não respondia aos meus estímulos. Tinha dificuldades para respirar. Sentia como se meu pulmão estivesse cheio d'água. Minhas entranhas queimavam.
Olhei à frente. Frederick jazia em uma poça de sangue. O rosto destroçado pela metralha.
Com muito esforço, virei o rosto á esquerda e para trás. Vi o corpo inerte do sanitarista. A posição em que tombara, dava a impressão de que vinha em nosso socorro. Estava sem os óculos.
O combate continuava feroz.
Mais uma vez tentei soltar-me. Inútil. Em meu cérebro, uma pergunta latejava:
Por que?
♣♥♣
O oficial do exército chegara afinal ao endereço do soldado Heinz Kotlër, morto em serviço à pátria.
Industrias Kotlër – Aramifício e Ferragens em Geral – Exportadora do arame farpado trançado.