Autora - Elisangela D. Silva
Com o rosto encostado na janela, ela observava o movimento dos carros no estacionamento pensando: "acabou, finalmente, acabou". Ela desvia o olhar para o horizonte e se afasta da janela. Caminha pela sala e si senta na beirada de uma cama onde havia uma garota, que aparentemente parecia estar dormindo. Ao lado da cama haviam aparelhos ligados ao corpo. Na tela de um deles - não sabia o nome exato- apareciam linhas verdes e vermelhas que se movimentavam de cima para baixo. Esses eram os únicos sinais - por enquanto- de vida naquele corpo. Naquele quarto. Uma lágrima escorre de sua face e ela volta a contemplar novamente a figura imóvel daquela garota. Cabelos negros como a noite junto de sua pele branquinha formavam um belo contraste. Parecia até a "Branca de Neve". Branca de Neve? Que comparação estúpida! Tudo bem, ela parecia mesmo naquele momento a Branca de Neve deitada ali, imóvel como um anjo, porém, existia uma grande, enorme diferença entre as duas: Branca de Neve era um conto infantil, onde ela despertava com um beijo de seu Príncipe Encantado. Já aquela garota, nunca acreditou em contos infantis e finais felizes. Sua vida era pura realidade- e nessa realidade não tinha lugar para Príncipes Encantados, mas sim para ilusões e sofrimentos. De repente, um sinal de alerta. Um dos aparelhos começa a fazer um barulho estranho e na tela, as linhas...
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Só existe um momento na vida das pessoas onde elas param para pensar e refletir sobre seus dias de existência - à hora da morte. É nessa hora, que algumas pessoas se questionam sobre as atitudes que tomaram: se eram corretas ou não. É nessa hora, que algumas se arrependem do que fez e pede perdão prometendo ser uma pessoa melhor pedindo outra chance- afinal, ninguém quer estar com o pé na cova- só que a Dona Morte não quer saber. Ela simplesmente bate em sua porta, e diz: "Parabéns, hoje você foi o felizardo. Ganhou uma viagem para a eternidade!" Ai si vai às perguntas que não foram feitas e as respostas que não foram dadas. É nessa hora também, que outras pessoas agradecem a esse "anjo da morte" por ter se lembrado delas, porque a morte para elas pode ser a melhor solução para seus problemas. Para suas vidas ingênuas. Para seu futuro incerto...
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Dizem que quando você morre, sua vida inteira passa diante dos seus olhos...
Ela se divertia, silenciosamente, com um olhar maligno de euforia: "Finalmente, minha vingança esta concluída". Nunca, jamais alguém poderia imaginar que fosse capaz de tamanha façanha.- Ela pensava, levantando-se com um sorriso alienado. Caminhava agora, olhando ao redor, examinando o ambiente; um quarto pequeno, com o teto alto, paredes com a pintura a descascar. Uma janela ao canto com cortinas semi-serradas permitindo apenas alguns reflexos da luz da rua. No outro extremo, uma velha cama com um criado mudo e um abajur. Durante esse tempo de observação, esquece o seu grande ato, porém, logo se recorda e começa a apreciar novamente aquela terrível e fantástica cena. A sua frente está sentado um ser imóvel e logo abaixo uma imensa poça de sangue. Ele não se mexe. Está pálido feita a neve. Esta lívido. Novamente, um brilho maligno se destaca em seu olhar. Encaminha-se até sua vitima, abaixa e pega uma faca ensangüentada entre a poça. Acaricia a lâmina com cuidado sentindo a frieza do metal. Levanta os olhos para sua vitima, passa a mão pelo seu rosto pálido e mais uma vez sorri e como que por um impulso ou um simples capricho, beija-lhe a face. "Você pediu isso. O único culpado desse seu destino é você mesmo. Você se achava o máximo destruindo a minha vida, os meus sonhos. Sempre me desprezou, nunca ligou para mim. Só nas horas que precisava, e que se lembrava de mim. Só que agora os papeis mudaram. Você não sabe como é ver você assim imóvel sem ter como se proteger. Inútil, sem poder pisar nos outros. Eu prometi e cumpri. Espero que goste do presente de aniversario"- ela diz, agora se encaminhando para a porta e pensando mais uma vez na garganta aberta, no sangue grosso vermelho a escorrer e no prazer imenso que teve ao cumprir sua vingança. "Adeus". A porta se abre para logo em seguida, se fechar com a escuridão e o silêncio...
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Todas as imagens do passado afloravam em sua mente, essa principalmente, enquanto permanecia ali deitada naquele leito, com os olhos perdidos na escuridão. Havia fantasmas de branco que flutuavam sobre sua cabeça e que desapareciam com murmúrios suaves, numa linguagem não compreendida. Ela sabia que aquilo ali poderia ser o inferno e que tinha de pagar por seus pecados. Em especial, aquele...
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... As linhas, que antes estavam se movimentando de cima para baixo, agora estavam em linha reta. A figura que estava sentada na cama se levanta e se encaminha para um canto, observando todo o movimento. A porta do quarto se abre e uma enfermeira entra correndo. "O meu Deus, chame. Doutor rápido!"- ela grita para outra que vem logo atrás. Em questão de segundos, entra um homem de pouco mais de 30 anos. Com um olhar rápido para o aparelho e pegando o pulso da paciente, ele grita para uma enfermeira - "estabilizar os batimentos. Começa massagem torácica."
(1,2,3,4,5)
"Nada"
( 1,2,3,4,5)
"Nada. As linhas permanecem em movimento retilíneo"
( peguem o desfibrilador- carregando)
"Nada"
( 100 carga)
"Nada"
( carregando- 200 carga)
"Nada"
( sem pulsação, sem batimento)
Do canto, ela olha as pessoas ao redor da cama com expressão de tristeza- talvez por não conseguirem salvar aquela vida. A vida daquela jovem e bela garota, que tinha tudo e uma vida pela frente. Só que ela não tinha tudo e nem uma vida- só que isso eles não sabiam. Ela vê seu corpo já sem vida sendo coberto. Estava pronta para partir agora. Arrependimento? Só de algumas coisas como não ter tido coragem para enfrentar as outras pessoas e lutar pelos seus sonhos. Agora pelo crime que cometeu? Não, ela não tinha nenhum arrependimento- pelo menos não naquele momento. Se ela era daquele jeito- egoísta e má- a culpa foi dos outros que transformaram sua vida num tabuleiro de xadrez, do qual eles que manipulavam e jogavam como bem quisessem. E ele foi o primeiro de todos. Foi o que inventou a regra do jogo. Mas agora, já acabou. Iria vê-lo novamente, só que no inferno.
No outro canto do quarto, aparece um homem todo de preto, com os cabelos e olhos negros como a noite. Ele lhe estende a mão pedindo que o seguisse. Ela percebia que ali era o fim e que estava diante do anjo da morte. Com um último suspiro e um último olhar para seu corpo, ela diz novamente: "Acabou, finalmente acabou". E com isso ela se deixa conduzir até o descanso eterno...
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