Noite de Pavor

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Luisbisomem atravessou a rua em desespero, quase levando o portão de sua casa com o peito.

– Mãe. Socorro, mãe.

Maria Lobauto correu em seu auxílio.

– O que houve, meu filhinho?

Ele tremia de medo.

– Eu estava na casa do Múmia. Nós brincávamos tranquilos no sarcófago, na sala. A senhora sabe, aquele jogo, Cemitério Imobiliário.

– Sim, você deu de presente ao seu amigo no aniversário dele.

– Isso, esse mesmo. Nós jogávamos e a irmã mais velha dele, a Egípcia, assistia a um filme de terror na televisão. Eu sei que ainda não tenho idade, mas era interessante.

– Sei, já estou entendendo. E aí? – Dona Lobauto coçou o focinho, demonstrando braveza.

– Aí mãe, é que o assistimos até o final. E depois tive que vir para casa, sozinho.

– Mas você já tem nove anos, meu bisomenzinho. Não deveria mais ter medo de andar só.

Ele aconchegou-se a ela, como se lhe fosse revelar um segredo que mudaria o mundo.

– A senhora não vai acreditar, mas, quando dobrei o quarteirão, dei de cara com o fantasma de um papagaio.

– Já lhe disse que fantasmas não existem.

– Existem sim – ele grudou-lhe as garras, quase lhe rasgando o vestido. – Eu estava na frente do sanatório.

– Onde?

Sanatório era o novo local de festas para crianças.

– No salão inaugurado há pouco tempo. Ao lado do hospital Irmãs do Desespero.

– Certo, continue.

– Mãe, ele abriu as asas e veio para cima de mim, com o bico aberto. Eu gritei e corri. Acho que ele está lá fora.

Ela, como só uma mãe faz, acariciou-lhe as orelhas pontudas. Elas eram motivo de orgulho. A marca da família.

– Fique sossegado, meu querido. Como disse, fantasmas não existem. Mas não se preocupe. Se alguém se meter a gente com você, irá se ver comigo – rosnou mostrando as grandes e afiadas presas.

– Agora vá tomar banho para dormir.

Já asseado, foi à cozinha, pedindo à mãe que lhe fizesse um gostoso bloodshake de Viscerasmaltine.

– Mamãe, conte uma história antes de eu dormir.

Ela pegou o livro dos Irmãos Gremlins, escolhendo o conto Vampirinha Vermelha e o Panda Mau.

Ele adormeceu rápido; afinal tivera uma noite agitada.

Dona Lobauto retirou-se para o seu quarto, onde o marido, o senhor Lobotomizado a aguardava, ansioso. Eles estavam lendo, juntos, o exótico e sensual livro: O Último Rango em Paris.

Luisbisomem arregalou os olhos. Estava escuro. Ele tinha a nítida sensação de que um par de penas de cisne lhe fizera cócegas nos pés. Tremeu de medo.

Puxou a coberta acima da ponta das orelhas. Ele ouvia um cachorro, manco, latir e arrastar uma corrente pelo corredor que ligava a sala ao seu quarto. Fechou os olhos.

Miados de gatos inundaram o seu pensamento. Eram da pior espécie. Os terríveis angorás.

Ele suava de pavor. Só faltava uma fada entrar pela janela, com a sua varinha mágica. Não aguentando, gritou:

– Mãe. Socorro.

Apavorados, os pais entraram no quarto, acendendo a luz.

– Que foi, meu bisomenzinho?

Ele estava enrolado com o cobertor. Descobrindo-lhe o focinho, acariciou-o.

– Sonhou com coisas ruins?

Ainda com medo, agarrou-se à mãe, contando-lhe o ocorrido.

– Mamãe já lhe falou que nada disso existe. Foi só um sonho.

– Posso dormir com você e com papai?

– Sim, meu filhote.

Papai Lobotomizado mostrou todos os dentes em um sorriso.

E, assim, Luisbisomem passou a noite na cama dos pais. Sabia que, por mais malvados que fossem os gatos angorás, cachorros mancos, fadas madrinhas e os fantasmas de papagaios, ele estava protegido.

Mas, e as penas dos cisnes?

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Luiz Amato e ConvidadosOnde histórias criam vida. Descubra agora