O Destino Escolheu

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Autora - Paula Lessa

Está tudo muito estranho! Não sei mais o que fazer para melhorar dentro de casa. Fase horrível que estamos vivendo. Será que ele é culpado, ou cada um tem a sua parcela de culpa? Não sei por que tenho pressa em ser feliz. Nem ouço mais o que ele diz! São tantas brigas que não enxergo a avalanche que está por vir. Quando penso que já vivi todas as fases de um casamento, surpreendo-me com as mudanças.

Nesta terça-feira, me levantei cedo, tomei meu café bem rapidinho, e comecei a trabalhar dentro de casa. Nem percebi o que estava acontecendo ao meu redor. Quando terminei de organizar tudo, ainda lembrei que eu precisava cuidar de mim. Fui ao salão de beleza cuidar dos meus cabelos. Voltei rapidamente para casa e cheguei toda feliz, balançando as mechas dos cabelos, pintadas de luzes, de um lado para o outro. Senti que minha autoestima estava elevada! Desfilei pelos arredores da casa feliz, por estar me sentindo bonita. Quando perguntei para o meu marido se o meu cabelo estava bom, ele olhou-me de soslaio e disse que estava bonito. Não me contentei e fiz tudo para chamar ainda mais a sua atenção. Caminhei até o espelho do quarto que ficava de frente para a nossa cama, e mexi e remexei os cabelos para lá e para cá, na espera de outro elogio. Percebi que ele continuou deitado mexendo no celular.

Aproximei-me e perguntei:

- A conversa está mais interessante do que a minha presença? Será que não percebeu que estou fazendo de tudo para chamar a sua atenção, mas você insiste em não largar este celular.

Ele levantou a cabeça apenas para desabafar:

- Tenho vivido infeliz todos os dias. Penso que já sei o que está acontecendo comigo. Não nasci aqui, neste Rio de Janeiro, mas sei que trabalhei muitos anos neste lugar. Agora estou aposentado e vivo neste marasmo. Por que deixei passar tanto tempo para saber que preciso voltar a minha cidade? Não pertenço a este lugar. Este não é o chão que eu gostaria de pisar todos os dias. Estou muito infeliz!

Não concordei com as suas lamentações e rebati:

- Mas se estivesse se ocupando com alguma coisa, não estaria tão ansioso e triste. Você já está aposentado há três anos, e nunca procurou fazer nada durante esse tempo que estava em casa. Talvez, seja isso que esteja o deixando tão amargurado.

Indignado retrucou:

- Não fiz e não farei nada neste lugar, porque não gosto daqui, e tudo que planejei não aconteceu por isso me sinto desse jeito. Esperava voltar com a minha família para o lugar que desejei envelhecer.

Resolvi sentar-me na ponta da cama, na esperança de convencê-lo, mas sem sucesso, decidi me calar.

Ele continuou a falar:

- Todo dia tem sido a mesma rotina – retrucou – Vou pedalar e volto para casa, guardo a bicicleta no mesmo lugar de sempre, e tudo parece não ter mais graça. Logo penso "Tenho que ir embora deste inferno". Não consigo gostar de mais nada em minha casa, nem do jardim que um dia plantei com tanto zelo. A churrasqueira que mandei fazer. Imaginava reunir os amigos e seus parentes, mas acabei enjoando de tudo e de todos. Sinto nojo de tudo. Nada mais tem importância. Nem faz sentido tentar sonhar com o futuro, se já não consigo mais me ver aqui.

Eu ainda estava sentada à beira da cama, enquanto ele jogava todas as suas insatisfações para fora.

- Retomo ao passado e tenho raiva de mim mesmo, por não ter cessado o impulso da adolescência em mim. Se eu não tivesse prestado a atenção nos outros amigos da minha idade, que sonhava com a cidade grande, talvez não tivesse sofrendo esta dor de não ter vivido a minha vida no lugar em que nasci. Sinto muita raiva de mim mesmo, de não ter escutado a minha mãe quando dizia para que se eu esperasse mais um pouco, porque o vulcão da adolescência iria passar. Porém, não controlei meus impulsos.

Eu já estava ficando farta de tudo aquilo, mas eu sentia que deveria deixa-lo falar.

- Quando me olho no espelho vejo que o tempo passou depressa, e me dá uma angustia por não ter vivido a juventude ao lado dos meus irmãos e de minha preciosa mãe.

Depois desse desabafo, não consegui dizer mais nada, levantei-me da cama e ainda de costas para ele, sai do quarto para dar continuidade as minhas atividades. Porém, eu ainda estava na dúvida, se o homem com quem eu havia me casado ainda estava ao meu lado, pois fazia tempo que o seu olhar não era mais o mesmo. Mas não me dei por convencida e insisti confiante no tempo em que vivemos juntos e o convidei para ir ao cinema.

Assistimos a um bom filme, ao término saímos de mãos dadas e resolvi parar em uma sorveteria. Ele não quis o sorvete, mas acompanhou os meus passos.

Seguimos até o carro e quando dei por mim, estávamos brigando novamente, nem me lembro do motivo. Ultimamente essas discursões passaram a fazer parte da nossa rotina.

No outro dia, assim que cheguei a casa à noite, tomei um banho e quando saí do toalhete, ele já tinha ido para o barzinho beber com os amigos, como fazia todos os dias.

Quando ele voltou, eu procurei ficar calada, até que ele comesse algo e fosse dormir, para que não despertasse a sua fúria. Mas ele acabava se deitando ao meu lado, e pegava o maldito celular. Eu já não fazia mais questão de atrapalhar as suas conversas. Virei para o canto e comecei a mexer no meu celular também. Havia momentos em que o olhava de revés, e balançava a cabeça reprovando aquela nossa atitude. Não sabia mais quem era o culpado. Mas que algo estava muito errado.

No dia seguinte ele saiu mais cedo, eu nem sabia para onde ele tinha ido, então voltei a minha atenção para o almoço. Arrumei o seu prato, e o deixei em cima da mesa.

Surpreendi-me quando recebi uma visita que não via há tempos, que o meu marido conhecia tão bem.

Passados algumas horas, o meu marido havia chegado da rua e ficou muito surpreso com a presença desse meu parente. Trocaram abraços e conversaram um pouco, mas eu percebi que ele estava com a cabeça longe.

Tentamos arrancar algum sorriso de seu rosto, mas tudo que saía era um meio sorriso.

Em dado momento tive pressa de sair dali. Aproveitei que a visita queria ir embora, então insisti para levá-lo em casa, pois estava de muletas. Ele era um parente querido e merecia toda a minha atenção.

Não demorei nada com ele, e estiquei o passeio até a casa da minha irmã, passando a tarde toda com ela e minha sobrinha.

Tinha anoitecido e fiquei bastante preocupada, com receio de que eu estivesse dando motivos para desencadear outras brigas. Tentei chegar a casa o mais rápido que pude. Guardei o carro na garagem, e entrei a procura dele, mas percebi que a luz do quarto estava apagada e imaginei que estivesse dormindo àquela hora, como de costume. Quando entrei no quarto estava vazio. Não sei por que, mas tive um pressentimento de procurar suas coisas no armário e constatei que não tinha mais nada. Assustada e ainda sem acreditar, caminhei até o quarto do meu filho para lhe contar. Ele me olhou sem definir aquele momento e ao mesmo tempo preocupado.

Aborrecida e magoada tentei dormir, mas não estava conseguindo. Decidi ficar refletindo e tentando compreender aquela atitude inesperada. Por mais que eu pensasse em algo que justificasse aquele gesto, era em vão.

Cansada de brigar com os meus pensamentos deixei-me levar pelo silêncio da madrugada e me rendi ao sono. Quando acordei, a primeira coisa que fiz foi certificar-me de que não era um pesadelo. Fui abrindo novamente as portas dos armários e deparei-me somente com uma pasta cheia de documentos deixada para lembrar de que um dia aquele espaço tinha sido preenchido por alguém.

Passaram-se algumas horas tive notícias de que ele havia voltado para sua terra natal.

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Luiz Amato e ConvidadosOnde histórias criam vida. Descubra agora