LÁ VEM O SOL

39 1 0
                                    

Zezé corria atrás da bola junto com seus novos amigos. Nunca sentira-se tão feliz. Mas nem sempre fora assim.

Abandonado pela mãe alcoólatra, logo após o nascimento, viveu os primeiros anos de vida em um orfanato, na periferia da cidade de São Paulo.

Aos sete anos, por meio de uma tramoia, foi levado por um casal, responsável por várias crianças na mesma condição.

Com rapidez foi treinado para mendigar em faróis. Pedia esmolas em um dos pontos explorados pelos pais.

Não era uma vida fácil. Viviam nas imediações de um lixão. Pouca comida, falta de higiene e tabefes diários eram a paga pelos "serviços" prestados.

Ele era um dos que mais arrecadava, pois tinha um belo rosto e um lindo sorriso, apesar da sujeira. A pele negra, em contraste com o cabelo avermelhado, herança da mãe. Largas e grandes bochechas harmonizavam com os olhos grandes, arredondados.

Para ele e os irmãos não existiam escola, mas conhecia o dinheiro, números e era bom em identificar as letras.

Aprendera com os mais velhos a "garfar" algumas moedas, conseguindo esconder alguns míseros reais. Ele tinha medo, pois um dos meninos fora pego roubando e espancado na frente de todos, como exemplo.

Foi em um domingo que aconteceu o inesperado. Já era hora da recolha quando um policial abordou seu "pai", algemando-o. Zezé não pensou duas vezes. Esgueirou-se pelos curiosos que assistiam a cena, escondendo-se atrás de parte de um muro.

Quando o carro de polícia deixou a área, ele correu na direção oposta, como nunca havia feito na vida. Sabia, pelas conversas com os mais velhos, que daquele lado ficavam as casas altas.

Durante dois dias caminhou, confiante de que dias melhores viriam. A fome era sua companheira. Conseguira um pedaço de pão duro, nada mais. O dinheiro escondido ficara no barraco.

Por mais estranho que parecesse, não sentia medo. No terceiro dia de caminhada avistou as casas altas. Sorriu. Ele conseguira.

A noite ia alta quando se aproximou de um prédio, com escadaria frontal. Uma única luminária iluminava o antigo letreiro. Com esforço ele leu, Maróco. Achou muito estranho o nome.

Várias pessoas ocupavam as escadas, como se fossem camas dispostas cabeça a cabeça. Sem fazer barulho, passou pelas dos degraus mais baixos, indo até a coluna da esquerda. Elas eram duas, largas o suficiente para sustentar a enorme marquise.

Cansado, aconchegou-se a ela. Em menos de um minuto, dormiu.

Foi acordado pelos gritos:

- Aí neguinho do cacete. Quem disse que você "podi dormi" no meu lugar. Sai logo daí seu "fio" de uma égua - a fala era pastosa.

Zezé olhou para a figura maltrapilha à frente. Tinha numa das mãos uma garrafa de pinga pela metade e, na outra, um grosso pedaço de sarrafo.

- Sai daí seu bosta antes que eu "estore" sua cabeça com uma paulada.

Ele não se mexia. O medo o paralisara.

- Não "tá" me ouvindo moleque?

Uma voz se fez presente, vindo de um ponto mais alto.

- O que você está aprontando Marcão? Por que está aos berros? Já não lhe disse que não quero bagunça aqui no pedaço?

- "Va" se "dana" você também "Diretô". Para mim não importa o que você "falo" ou não. '"To" me cagando para o que você fala.

O Diretor, como era conhecido por todos dali, desceu devagar, com muita dificuldade, parando ao lado de Marcão, que balançava o corpo como se estivesse em um barco no mar.

Luiz Amato e ConvidadosOnde histórias criam vida. Descubra agora